terça-feira, 9 de abril de 2013

SEMIOSE HERMÉTICA





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Elegendo seu leitor como crítico, Humberto Eco busca nos princípios do Hermetismo o respaldo necessário à sua teoria da recepção. Hermes ou Mercúrio é o deus da metamorfose, volátil, ambígüo, pai de todas as artes, mas deus dos ladrões. “No mito de Hermes são negados os princípios de identidade,  de não-contradição e de meio excluído, as cadeias causais enrolam-se sobre si mesmas em espiral, o depois precede o antes, o deus não conhece os confins espaciais e pode estar, sob formas diferentes, em diferentes lugares ao mesmo tempo” (95/23).
Esta polivalência do mito aponta para a busca, já no século II, de uma verdade desconhecida. Ou melhor, de uma verdade que estaria proposta como alusão, como alegoria; esta verdade se identifica com o não-dito, ou com o dito de modo obscuro e  que deverá ser compreendido para além da mera aparência. Este saber misterioso revela um universo espelhado, onde, cada coisa, reflete e significa todas as outras. Por tal, definir, por exemplo, Deus de modo unívoco é totalmente impossível, pois a linguagem humana é inadequada para isso. Para o Hermetismo, a linguagem, ambígüa e polivalente, simbólica e metafórica, será a única capaz de revelar uma coincidência de opostos e uma não-identidade. Por conseguinte  a interpretação será infinita, ou seja, na tentativa de buscar um sentido último e inatingível, instaura-se uma polifonia de sentidos.
A impossibilidade de um segredo final gera uma interpretação vazia, o que acaba por transformar todos os fenômenos em fenômenos lingüísticos e, concomitantemente, toda linguagem não tem mais poder comunicativo. Passa a espelhar a idéia de que a ordem do universo pode ser subvertida e que será possível estabelecer novos nexos, novas relações, novas construções artificiais, e culturais. Esta idéia de deslizamento do sentido é totalmente perceptível em muitas das nossas concepções pós-modernas, onde o espaço não existe, o tempo não é contínuo e aspectos eufóricos e disfóricos convivem tranqüilamente.
O modelo de semiose hermética e muitas das teorias atuais da recepção trabalhariam com os pressupostos da interpretação ilimitada (95/31) e questionariam os juízos de identidade e  de semelhança. A tradição hermética alimentaria, não só uma atitude crítica que vê o texto como cadeia das respostas que ele produz, mas também aquela que pressupõe ser o texto um piquenique onde o autor leva as palavras, e os leitores, o sentido. Pensando, com Jauss, que na leitura de um texto convergem o depósito das interpretações precedentes, que nos foi dado pela tradição, ainda assim este texto pode provocar interpretações inaceitáveis. Donde surge o problema crucial de saber qual o parâmetro que nos permite avaliar tão diferentes leituras. “Existe um sentido dos textos, ou melhor, existem muitos, mas não se pode dizer que não exista nenhum ou que todos sejam igualmente bons. Falar dos limites da interpretação significa apelar para um modus , ou seja para uma medida”. (95/34)
Para  falar de limite, Eco recorre a Peirce e sua teoria do significado e dos interpretantes. Nela, toda expressão deverá ser interpretada por uma outra expressão, ad infinitum. Isto equivale a dizer, tal qual o Hermetismo, que um texto sempre remeterá a outro texto, que por sua vez, remeterá a outro texto, até o infinito. O texto secreto, cuja verdade se espelha no não-dito, só poderá ser percebida quando se esgotarem todas as interpretações. Deste modo o significado completo de um signo é o registro histórico, pragmático, que foi revelado em todas as suas aparições contextuais. Ou seja, interpretar um signo significa prever – idealmente – todos os conceitos possíveis onde ele pode ser inserido. É claro que esta previsão é, no mínimo, ideal e, para que se realize, necessitaria de um leitor tão ideal que não sabemos realmente se ele existe ainda que não sabemos realmente se ele existe ainda que como abstração.  O leitor ideal teria de dar conta de condições contextuais que ele traria da tradição, da história, mas também, que teria que, virtualmente, projetar contextos onde o processo se manifestaria. Tentando superar a distinção entre semântica e pragmática, sistemas de significação e semiótica dos processos de comunicação e produção de textos, este arquileitor projetaria seleções contextuais e circunstanciais, revelando o modo pelo qual um termo deve ou pode ser usado em certos contextos ou circunstâncias de enunciação. Portanto, ele pressuporia uma inserção do texto num ou em vários contextos. Tudo isso remeteria, evidentemente, a uma interpretação não só baseada na subjetividade como também a  uma interpretação, cujo fundamento não tivesse limites. Resta saber se esta interpretação nos interessa.
Se pensarmos que interpretar um texto significa colocar em evidência o significado intencionado do autor ou sua essência (independente de nossa interpretação), ou se acreditarmos que os textos podem ser infinitamente interpretados em uma e outra situação, estamos pensando que interpretar ou significa ‘reagir ao texto do mundo ou ao mundo de um texto produzindo outros textos’. Logo, o problema não consiste em discutira velha idéia de que o mundo é um texto que pode ser interpretado ( e vice-versa) e sim em decidir se ele tem um significado fixo, uma pluralidade de significado possíveis ou não tem significado nenhum. (95/279) Esta última possibilidade está representada pela semiose hermética, onde se pode deslizar de significado para significante, de semelhança para semelhança, de uma conexão para oura, garantindo ou não a presença de um significado  universal, unívoco e transcendental. A semiose hermética identificaria, em cada texto, a plenitude do significado, e revelaria os efeitos contínuos de deslizamento de todo significado possível. O significado de um texto seria continuamente proposto e, o significado último converter-se-ia num segredo inatingível. Tudo isso acabaria por confirmar uma deriva interpretativa infinita, tal qual Peirce fala, em sua semiose ilimitada, uma vez que um signo é algo mediante o conhecimento do qual conhecemos algo a mais. Mas tudo isso seria viável? E, por outro lado, a semiose ilimitada poderia ser citada como descontrução e hermetismo? Para Derrida, um texto escrito é uma máquina que produz um significado literal e muitos outros significados não-literais. Seu objetivo é uma prática filosófica que desafia estes textos que parecem dominados pela idéia de um significado definitivo. Derrida mostra o poder que a linguagem tem de dizer mais do que tudo que se pretendia dizer literalmente. Tanto Peirce, quanto Derrida, pleiteiam um princípio de pluriinterpretabilidade, onde entender a semiose limitada não significa uma leitura totalmente livre, ou a vontade do receptor que sova o texto até dar-lhe a forma que servirá a seus fins.

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