quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tradição e TRADIÇÃO



http://www.igtf.rs.gov.br/wp-content/uploads/2012/03/conceito_TRADI%C3%87%C3%83O.pdf

A tradição tem, na perspectiva sociológica, a funçã
o de preservar para a
sociedade costumes e práticas que já demonstraram s
er eficazes no passado. Para
Weber, os comportamentos tradicionais são formas pu
ras de ação social, ou seja, são
atitudes que os indivíduos tomam em sociedade e são
orientadas pelo hábito, pela noção
de que sempre foi assim. Nessa forma de ação, o ind
ivíduo não pensa nas razões de seu
comportamento. O comportamento tradicional seria, e
ntão, uma forma de dominação
legítima, uma maneira de se influenciar o comportam
ento de outros homens sem o uso da
força.
Uma visão clássica da tradição nas ciências sociais
acredita que ela teria
dificuldades em acompanhar as mudanças e, à medida
que o liberalismo e o
individualismo foram ganhando espaço no Ocidente, o
s comportamentos tradicionais
teriam perdido espaço. As tradições, nesse sentido,
teriam se enfraquecido com a
industrialização e o nascimento das sociedades indu
striais, dando lugar a uma rotina cada
vez mais preenchida pela ciência e pela técnica.
Mas as tradições evoluem e se transformam com as no
vas necessidades de cada
sociedade, funcionando inclusive para impedir que e
la se dissolva. Segundo Dominique
Wolton, a tradição não é mais vista pelas ciências
sociais como uma coisa arcaica, mas
como aprendizagem, reapropriação. Para ele, na medi
da que as sociedades se
modernizam, a tradição aparece para suportar a muda
nça social, pois nenhuma
sociedade muda radicalmente, sendo que cada fase de
mudança possui também
estabilidade.
Outra perspectiva comum é a relação feita entre tra
dição e modernidade. Para
Boudon e Bourricard, é corriqueira a oposição entre
sociedades tradicionais e sociedades
industriais. O problema dessa oposição é que ela nã
o traz uma definição clara de quais
são as características de uma sociedade tradicional
. Na verdade, ela engloba sociedades
tão diferentes quanto o Sacro Império Romano Germân
ico e a Babilônia, em contextos
históricos totalmente diversos. E, assim, a definiç
ão de sociedades tradicionais termina
por se basear não nas características que elas comp
artilham, mas nos elementos que
elas não possuem, e existem nas sociedades modernas
, como a escrita, a divisão de
trabalho com ênfase na produção, as trocas interpes
soais. Para esses autores, em vista
desses problemas é muito mais interessante hoje o u
so do conceito de tradição do que de
sociedades tradicionais, pois tradição é algo que p
ode existir em todas as sociedades,
inclusive nas industriais.
A tradição como tema de estudos tem também ganhado
espaço na História.
Eric Hobsbawm, por exemplo, estudando o mundo conte
mporâneo, utiliza o
conceito de
tradições inventadas
para denominar o conjunto de práticas, de natureza
ritual ou simbólica, regulado por regras aceitas po
r todos, que tem como objetivo
desenvolver na mente e na cultura determinados valo
res e normas de comportamento,
por meio de uma relação com o passado feita pela re
petição constante dessas práticas.
Para Hobsbawn, uma das características das tradiçõe
s inventadas é que elas
estabelecem uma continuidade artificial com o passa
do, pela repetição quase obrigatória
de um rito. As tradições têm como função legitimar
determinados valores pela repetição
de ritos antigos (ou de ritos definidos como antigo
s, no caso das tradições inventadas),
que dariam uma origem histórica a determinados valo
res que devem ser aceitos por todos
e se opõe a costumes novos.
Hobsbawm defende que um dos aspectos mais fortes da
tradição é sua
característica invariável, ou seja, seria um conjun
to de práticas fixas que, por serem
sempre repetidas de uma mesma forma, remeteriam ao
passado, real ou imaginado.
Mas muitas pesquisas antropológicas recentes, assim
como trabalhos sobre o
folclore, contestam o caráter fixo das tradições. P
ara essas, a cultura popular nas
tradições e manifestações folclóricas se renova con
stantemente por meio da criação
anônima. No caso de Hobsbawm, ele estuda tradições
inventadas pelas sociedades
industriais, que, após a Revolução Industrial, tive
ram de criar novas rotinas e novas
convenções. São rituais e eventos que, segundo ele,
são muitas vezes criados por um só
personagem, no caso das tradições inventadas. É o c
aso do escotismo, o corpo dos
escoteiros, instituição internacional criada por Ba
den Powell, em 1909, com o objetivo de
aperfeiçoar física e moralmente os jovens. O escoti
smo está repleto de tradições
inventadas, na forma de rituais e normas de comport
amento, constantemente repetidos e
ensinados aos novos membros. Também a realeza britâ
nica
possui muitas tradições
mencionadas por Hobsbawm, algumas inventadas e outr
as autênticas, sempre repetidas,
como a cerimônia de coroação ou de sepultamento da
realeza na abadia de Westminster,
como para reafirmar a Antiguidade e a legitimidade
da monarquia. Nesse sentido, tradição
também tem uma ligação muito forte com o conceito d
e Antiguidade como um período de
grandes homens, uma
Idade de ouro.
Sociólogos como Tom Bottomore e William Duthwaite,
por sua vez, acreditam que
o termo tradição deve ser empregado para as esferas
mais importantes da vida humana,
como a religião, o parentesco, a comunidade etc., d
eixando as esferas menores de ritos e
costumes cotidianos com o conceito de folclore. Def
endem, além disso, que as tradições
não são necessariamente estáticas ou imóveis. Para
eles, migrações e mesmo
revoluções, que são fenômenos geradores de mudança
por excelência, algumas vezes
estão baseados no desejo de disseminar tradições ou
de protegê-las. Eles dão como
exemplo a Reforma Protestante, fenômeno
que gerou muitas mudanças sociais e
culturais, mas que teve como base um desejo de reto
rnar às tradições do Cristianismo
primitivo. Por outro lado, poderíamos acrescentar q
ue a colonização da América
espanhola vivenciou também tentativas da Coroa, da
Igreja e de determinados grupos
sociais de transferir para as colônias tradições e
costumes antigos na própria Espanha,
como o Catolicismo e a cultura da fidalguia.
Outro exemplo do trabalho histórico com a tradição
é o estudo do pensamento
ibérico barroco e moderno, por Rubem Barboza Filho,
que por meio da tradição procura
entender a constituição das identidades da América
Ibérica. Barboza Filho observa a
influência da tradição na formação do caráter moder
no da Ibéria. Pensa tradição como um
elemento vivo e atuante, que aparece na vida social
do presente. Afirma que o conceito
de tradição foi muito utilizado pelos pensadores ib
éricos, como Unamuno, na passagem
do século XIX para o XX, como uma forma de crítica
à modernidade, de projeto alternativo
à modernização da Europa que não incluía a Espanha.
Muitos intelectuais espanhóis de
então defendiam a revalorização das tradições ibéri
cas como forma de, mediante
elementos culturais puramente espanhóis, tornar pos
sível superar a decadência na qual o
país se encontrava. Os elementos que Unamuno caract
erizou como tradicionais na
cultura espanhola foram a fé, a paixão, a mística.
Elementos opostos à modernidade, por
sua vez definida pela ciência e técnica. Personagen
s como El Cid e Dom Quixote, a
tradição cultural do Século do Ouro (o século XVI n
a Espanha, auge do império
espanhol), da Arte barroca, da Inquisição e do pode
rio do Catolicismo e da monarquia
foram recuperados na passagem do século XIX para o
XX como elementos de tradição
úteis para a construção de uma identidade própria e
conservadora da Espanha, diante da
expansão da modernidade ocidental.
Vemos, assim, que tradição possui muitos significad
os: pode estar atrelada ao
conservadorismo e ao resgate de períodos passados c
onsiderados gloriosos; pode ser
inventada para legitimar novas práticas apresentada
s como antigas. Muitas vezes é
pensada como imóvel, mas hoje cada vez mais estudio
sos percebem suas ligações com
as mudanças. Está ligada ao folclore, à cultura pop
ular e à formação de identidades.
Assim, é um tema muito prolífico, que dá margem a d
iscussões variadas. No
Brasil, onde a cultura popular está sendo recuperad
a cada vez de forma mais intensa e
onde também surge um forte movimento de revalorizaç
ão das tradições e do folclore, é
importante que os professores de História entendam
os sentidos dessas noções, assim
como suas diferenças: enquanto a tradição está atre
lada a costumes, ritos e valores mais
abrangentes, o folclore trabalha principalmente com
as tradições da cultura popular.


In:
Dicionário de Conceitos Históricos - Kalina Vander
lei Silva e Maciel Henrique Silva – Ed.
Contexto – São Paulo; 2006
TRADIÇÃO

Post Scriptum

http://www.reneguenon.net/IRGETGuenonOqueETradicao.html

René Guénon

"Introduction Générale à l'Étude des Doctrines Hindoues"
Parte II, Capítulo III

O QUE É PRECISO
ENTENDER POR TRADIÇÃO?

Paris 1921.
Edição atual: Maisnie-Trédaniel, 1983   


Na China, a separação muito nítida de que falamos mostra de um lado uma tradição metafísica (Taoísmo, Lao Tsé), e, por outro, uma tradição social (Confúcio, Confucionismo), que podem parecer inicialmente não somente distintas, como o são, com efeito, mas mesmo relativamente independentes uma da outra, mesmo porque a metafísica sempre permaneceu o privilégio quase que exclusivo de uma elite intelectual, enquanto que a tradição social, em razão de sua natureza própria, se impõe igualmente a todos e exige ao mesmo grau sua participação efetiva. Todavia, é preciso tomar cuidado com o fato de que a tradição metafísica, tal como é constituída sob a forma de "Taoísmo" é o desenvolvimento dos princípios de uma tradição ainda mais primordial, contida notadamente no Yi-King , e que é dessa mesma tradição primordial que decorre inteiramente, se bem que de um modo menos imediato e somente enquanto aplicação a uma ordem contingente, todo o conjunto de instituições sociais habitualmente conhecido sob o nome de "Confucionismo". Assim, encontra-se restabelecida, com a ordem de suas relações reais, a continuidade essencial dos dois aspectos principais da civilização extremo-oriental, continuidade que correria o risco de permanecer desconhecida quase que inevitavelmente, se não se soubesse remontar até sua fonte comum, isto é, até esta tradição primordial, cuja expressão ideográfica, fixada desde a época de Fo-Hi, se manteve intacta por um período de quase cinqüenta séculos.

Após esta tomada de conjunto, devemos agora marcar de um modo mais preciso o que constitui propriamente esta forma tradicional especial que chamamos de forma religiosa, depois marcar o que distingue o pensamento metafísico puro do pensamento teológico, isto é, das concepções em modo religioso, e também, por outro lado, o que o distingue do pensamento filosófico no sentido ocidental desta palavra. É nessas distinções profundas que encontraremos verdadeiramente, por oposição aos principais gêneros de concepções intelectuais, ou antes semi-intelectuais, habituais ao mundo ocidental, as características fundamentais dos modos gerais e essenciais da intelectualidade oriental.


Post Scriptum

TRADIÇÃO. (filosof.) Corpo de costumes e observâncias de uma cultura. Difere do atavismo, no sentido de que este se reduz à observância formal das coisas. Tradição implica em procurar uma dimensão mais profunda, antes ligada ao ser. A Sociedade Tradicional é, neste sentido, aquela que busca organizar a cultura da unificação das instituições. O resultado é a busca do ideal da conquista do paraíso terreno, algo diametralmente oposto a toda a utopia laica, que opta antes por reduzir os conflitos pela cirurgia castradora das classes sociais. Religião e esoterismo devem buscar se integrar numa hierarquia de valores, de modo a fornecer benefícios mútuos. O crente sem conhecimento pode ser um fanático, e o esotérico sem fé pode ser um presunçoso. A tradição surge, nisto, como um sinônimo de sagrado (ver), disposto porém a realizar pontes e a manifestar a unidade, reflexo direto da mentalidade dos Mestres da qual a Tradição é uma concepção direta. Como já insistia René Guenón, “Tradição” é o conjunto da civilização una ou unificada, como o Cristã medieval ou a Budista, fora disto há somente Escolas iniciáticas (por assim dizer), mas que também podem evoluir para uma Tradição, se tiverem suficiente abertura social e sabedoria espiritual, e como realmente é muitas vezes a sua função histórica. As verdadeiras Tradições são bastante parecidas entre si -até por isto se chamam “tradição”-, e nelas o instrutor é imprescindível, porque nada tem com amadorismos e individualismos. Muitos confudem “tradição” com Escolas místicas exclusivas e preparatórias (algumas talvez com certo respaldo no passado), outra coisa é o Pramantha, a Grande Tradição que olha por todos e não apenas para uma elite de buscadores, buscando antes colocar esta a serviço do todo, até para que possam consumar o Caminho. Coisa que as escolas esotéricas não alcançam fazer, antes vivem às turras entre si disputando as atenções da população a qual não alcanla influenciar maiormente, como mostram até os mitos a este respeito. Ver SUNA e SEPARATISMO.

LAWS

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