quarta-feira, 15 de maio de 2013

Cristo, símbolo do''si-mesmo''



Falamos necessariamente de Cristo, porque Ele é o mito ainda vivo de nossa civilização. É o herói de nossa cultura, o qual , sem detrimento de sua existência histórica, encarna o mito do homem primordial (Urmensch), do Adão mítico. É Ele quem ocupa o centro da mandala cristã; é o Senhor do Tetramorfo, isto é, dos símbolos dos quatro Evangelistas que significam as quatro colunas de seu tempo. Ele está dentro de nós e nós estamos dentro dele. Seu reino é a pérola preciosa, o tesouro escondido no campo, o pequeno grão de mostarda que se transforma na grande árvore; é a Cidade Celeste. Do mesmo modo que Cristo, assim tbm o seu reino está dentro de nós.
Acho que estas poucas referências universalmente conhecidas são suficientes para caracterizar a posição psicológica do símbolo de Cristo. Cristo elucida o ‘’arquétipo do ‘’SI-MESMO’’. Representa uma totalidade de natureza divina ou celeste, um homem transfigurado, um perfeito filho de Deus(...) Ele constitui uma equivalência do primeiro Adão antes da queda original, isto é, quando este possuía ainda a pura semelhança com Deus, e a respeito do qual diz Tertuliano (222): ‘’’E quanto a esta imagem de Deus, pode-se admitir que o espírito humano possui os mesmos impulsos e o mesmo sentido de Deus, embora não da mesma forma’’. Orígenes  (185-254) é muito mais minucioso: ‘’A imago Dei (imagem de Deus) impressa na alma e não no corpo é uma imagem da imagem, ‘’pois minha alma é uma imagem de Deus, não de modo singular, mas criada á semelhança de uma imagem precedente’’. Cristo, ao invés,  é a verdadeira imago Dei, a cuja semelhança foi criado nosso homem interior: invisível, incorporal e imortal. A imagem divina manifesta-se em nós através da ‘’prudentia’’, da ‘’justitia’’, da ‘’moderatio’’, da ‘’virtus’’, da ‘’sapientia’’ e da ‘’disciplina’’.
Carl Gustav Jung

Post Scriptum
www.clinicapsique.com/doc/simesmo.doc‎
                                                 
Neste capítulo irei ressaltar o si-mesmo como fator instigador da consciência para que
esta se aproxime da totalidade da psique e, realize suas potencialidades. No conceito teórico de Jung, o si-mesmo contém aspectos de luz e sombra que coexistem, são irredutíveis e não derivam um do outro.

            Para que o processo de individuação aconteça é necessário que o ego entre em contacto com os aspectos irracionais e sombrios da psique, que muitas vezes ficam reprimidos, a um certo custo, porém não são eliminados e, estes na maioria das vezes são projetados no coletivo e, para que se aproxime do si-mesmo é necessário que estes conteúdos sejam integrados, só que esta aproximação é algo ainda muito distante; segundo citação de Jung:

“ É impossível chegar a uma consciência aproximada do si-mesmo, porque  por mais que ampliemos nosso campo de consciência, sempre haverá uma quantidade indeterminada e indeterminável de material inconsciente, que pertence à totalidade do si-mesmo.Este é o motivo pelo qual o si-mesmo sempre constituirá uma grandeza que nos ultrapassa”(Jung, C.G. vol. VII, & 274, Obras Completas.)

            É necessário um diálogo criativo e aberto entre o si-mesmo e o ego para que, mais aspectos sombrios venham a consciência, pois quanto mais unilateral for a posição de uma pessoa mais à superfície da vida esta vai se situar. Para aprofundar conteúdos e se apropriar um pouco mais da própria personalidade é necessário se desvencilhar de uma rigidez moral e massificada, ser suficientemente enraizado no mundo em virtude de seus próprios esforços, ter coragem de confrontar a sombra e, ir em busca do animus ou da anima, afim de alcançar uma união superior; no entanto para que um conteúdo psíquico seja esboçado nos diz Jung, que é indispensável usar no mínimo duas funções “racionais”:
                                  
“Quando, portanto, no estudo dos conteúdos psíquicos se toma  em consideração não apenas o aspecto intelectual, senão também o julgamento de valor, obtém-se necessariamente não apenas uma imagem completa do respectivo conteúdo, mas também a posição especial que ocupa na escala dos conteúdos psíquicos.O valor afetivo constitui um critério sumamente importante, sem o qual a psicologia não é possível, porque é ele que determina , em larga medida, o papel que o conteúdo acentuado desempenhará na economia da psique. Ou melhor, o valor afetivo funciona como um barômetro que indica a intensidade  de uma representação, intensidade que, por sua vez, expressa a tensão energética, o potencial de ação da representação. A sombra, por exemplo, em geral tem um valor afetivo marcadamente negativo, ao passo que a anima e o animus possuem, ao invés, um valor positivo.”
( Jung,C.G. Vol. IX/2 & 53. Obras Completas)

            Podemos notar que não é simples a percepção do si-mesmo em sua totalidade, pois ele se situa além dos limites pessoais e, surge como algo numinoso e fascinante. Algo no campo do sagrado, sob a forma de um mitologema religioso. Podemos chegar a instantes de contemplação do si-mesmo, através de alguns símbolos de totalidade, como as mandalas, a quaternidade. O cristo também é um símbolo do si-mesmo.



(...)


“Tradução do aramaico m sihã e do hebraico mãsiha, i.é, messias. No AT, além do sumo sacerdote também o soberano reinante é chamado”ungido” de Javé.Também os salmos falam várias vezes no ungido, referindo-se certamente também aos descendentes  históricos da dinastia davídica.À medida porém que essa realeza ia decaindo, surgiu a figura de um rei ideal, sobre-humano e os mesmos textos dos salmos foram ganhando uma nova interpretação. Sobre a origem e a evolução dessa idéia – Messias.Os discípulos reconhecendo Jesus como o Messias, acrescentaram esse título ao seu nome: “ Jesus Cristo”, “Cristo Jesus”, ou simplesmente Cristo.Afinal, Cristo tornou-se um nome independente para indicar o Kyrios glorificado.
                          ( DEN BORN & COL.dicionário enc. da bíblia,Vozes;1985)


            O Cristo que é o objeto de culto cristão é o Jesus que viveu e morreu na Palestina, mas também foi na época muito mais do que isto.Ele foi assimilado pelo sistema e recebeu a projeção do homem Deus esperado pelos seus contemporâneos, tornando-se assim a sua expressão arquetípica.Como o reinado de Davi estava decaindo, aquele povo necessitava de um substituto, e ficaram assim esperando por um messias.

            Temos alguns arquétipos que remontam suas origens na humanidade, centenas e milhares de anos antes de Cristo. Muitos líderes tribais conseguiram reunir homens e mulheres diante de situações catastróficas, de desastres naturais ou sob ameaças de inimigos de outras tribos, por terem sido capazes de despertar uma resposta arquetípica, instintiva.Poderíamos citar aí o arquétipo do mal, do salvador, do guerreiro e, outros considerados primordiais. Jesus Cristo despertou em alguns de  seus contemporâneos essa resposta primordial, como alguém que poderia libertar homens e mulheres do mal moral e espiritual. Apesar de ele ter semelhança com uma longa fila de grandes líderes humanos, tinha algo nele que era específico e único, que o aproximava do divino e, que o fez ser lembrado e seguido até os nossos dias.Ele incita à atividade uma tendência mais profunda ainda, não somente o arquétipo do salvador mais também o arquétipo do Self. Como nos diz Jung:
                       
“Jesus transformou-se na figura esperada pelo inconsciente de seus contemporâneos. Por isso é inútil querer saber quem era e como era Ele em sua realidade concreta. Se sua figura fosse fidedigna sob o ponto de vista humano e histórico, seria provavelmente tão pouco esclarecedora como a de um Pitágoras, de um Sócrates, ou a de um Apolônio de Tiana.Ele apareceu como o portador de uma revelação justamente pelo fato de apresentar-se como um Deus eterno( e, por isso mesmo, não- histórico),e só podia agir como tal, graças ao consensus generalis ( consenso geral) inconsciente:se seus contemporâneos não tivessem visto algo de especial na pessoa do milagroso Rabi da galiléia, as trevas não teriam percebido que uma luz havia brilhado”( JUNG. C.G.Vol.XI &228, Obras Completas)


            Cristo é o mesmo Jesus histórico que caminhou e ensinou por toda palestina e que nos traz uma indagação, o que este Rabi falou ou como Ele agiu para tocar com suas mensagens o íntimo do homem.Observando o NT vemos o quanto sua linguagem é simbólica e também por isso tão próxima da alma humana.Como Jung nos diz em seus escritos, que além dessa linguagem simbólica que caracterizava o Cristo, Ele traz consigo características de uma vida de herói, tais como: origem improvável, pai divino, nascimento ameaçado de perigo, pronta salvação, amadurecimento precoce (crescimento do herói), superação da própria mãe e da morte, milagres, fim trágico e prematuro, tipo de morte simbolicamente significativo, efeitos póstumos (aparições), sinais miraculosos.Todos esses atributos de Jesus fizeram com que Ele incorporasse o Cristo em vida e após sua morte e ressurreição tornar-se uma figura celestial e viva por séculos e séculos. Apesar de que Jung nos faz uma alerta e, nos mostra a necessidade de  uma renovação do cristianismo da época atual, pois os símbolos que antes fascinavam e moviam a psique humana, hoje estão perdendo sua força.

            Com relação a espera de um conteúdo que atualizasse o arquétipo do Cristo, vemos diversas citações no AT, vários profetas não cansaram de bradar aos quatro cantos a vinda do messias. Um messias que como enviado de Deus traz à humanidade a salvação prometida, vemos isso muito claro num trecho do profeta Isaías:

“Porque nasceu para nós um menino, um filho nos foi dado. Ele tem a soberania sobre seus ombros e será chamado; Conselheiro Admirável, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz. Ele terá uma soberania ampla e uma paz sem limites, sobre o trono de Davi...”( Isa,9-5)
                                  
            Esse Messias tão esperado, surgiu.Com toda sua trajetória heróica, nascimento divino e os demais atributos que o caracterizavam como herói, além de sua mensagem simbólica falando a alma daquele povo, o rabi Jesus rapidamente foi assimilado e o arquétipo constelado. Nascendo assim Jesus Cristo e, imortalizado até os nossos tempos.      

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