domingo, 5 de maio de 2013

O diálogo interno é a chave de tudo



Está vendo? — disse Dom Juan (usando como exemplo a primeira experiência de Dom Genaro com o sósia), nós todos temos as mesmas dúvidas. Temos medo de estar malucos.
Você mesmo sabe que algo no guerreiro sempre tem consciência de todas as modificações. É precisamente o motivo do guerreiro incentivar e manter esta consciência. O guerreiro a limpa, lustra e conserva em funcionamento.
É muito importante você reparar. Você repara nas coisas quando acha que deve; a condição de um guerreiro, porém, é reparar em tudo sempre.
Ele tinha razão. Tive de admitir que havia em mim alguma coisa que registrava e tinha consciência de tudo o que eu fazia. E, no entanto, nada tinha a ver com a consciência normal de mim mesmo. Era alguma outra coisa que eu não podia precisar. — É uma voz (silenciosa) interior que nos diz o que é o que.
Cuidado! Um guerreiro nunca se descuida de sua defesa. Se você continuar assim tão feliz ou infeliz, vai esgotar o pouco poder que lhe resta. Seja você mesmo. Duvide de tudo. Seja desconfiado. Um guerreiro morre com dificuldade. Sua morte teria de lutar para levá-lo. Um guerreiro não se entrega.
O diálogo interno é a chave de tudo. Quando um guerreiro aprende a pará-lo, tudo se torna possível. Um guerreiro sabe que o mundo se modifica assim que ele pára o diálogo interno, e deve estar preparado para esse abalo monumental.
O mundo é assim e assado, e tal e tal, só porque nos dizemos que é dessa maneira. Se pararmos de nos dizer que o mundo é tal e tal, o mundo deixará de ser tal e tal. Neste momento, não creio que você esteja pronto para esse golpe monumental, e, portanto, deve começar lentamente a desfazer o mundo.
Seu problema é que confunde o mundo com o que as pessoas fazem. Ainda nisso, não é o único. Todos nós fazemos isso. As coisas que as pessoas fazem são os escudos contra as forças que nos cercam; o que fazemos como pessoas nos dá conforto e nos faz sentir seguros; o que as pessoas fazem é muito importante em si, mas apenas como escudo. Nunca aprendemos que as coisas que fazemos como pessoas são apenas escudos e deixamos que elas dominem e transtornem nossas vidas. Na verdade, eu diria que, para a humanidade, aquilo que as pessoas fazem é maior e mais importante do que o próprio mundo.
O mundo é tudo o que está encerrado aqui… a vida, a morte, pessoas, aliados, e tudo o mais que nos cerca. O mundo é incompreensível. Nunca o compreenderemos; nunca desvendaremos seus segredos. Assim, temos de tratá-lo como ele é, um simples mistério!
Mas o homem comum não faz isso. O mundo nunca é mistério para ele e, quando ele chega à velhice, está convencido de que não tem mais nada por que viver. Um velho não esgotou o mundo. Só esgotou o que as pessoas fazem. Mas, em sua estúpida confusão, acredita que o mundo não tem mais mistérios para ele. Que preço triste para pagar por nossos escudos!
Um guerreiro sabe dessa confusão e aprende a tratar as coisas direito. As coisas que as pessoas fazem não podem, de jeito nenhum, ser mais importantes do que o mundo. E assim o guerreiro trata o mundo como um mistério infindável e o que as pessoas fazem como uma imensa loucura.
Um guerreiro não pode reclamar nem lamentar nada. A vida é um desafio interminável, e os desafios não podem ser bons ou maus. Desafios são simplesmente desafios. A diferença básica entre um homem comum e um guerreiro é que um guerreiro aceita tudo como um desafio, enquanto que um homem comum aceita tudo ou como uma bênção ou uma maldição.

(...)

.“Falamos sem parar, pra nós mesmos, sobre o nosso mundo. De fato mantemos nosso mundo com nosso diálogo interno. E quando deixamos de falar sobre nós mesmos e sobre nosso mundo, o mundo é sempre como deveria ser. Com nosso diálogo interno nós o renovamos, lhe damos vida, o sustentamos. Não somente isso, mas também escolhemos nossos caminhos ao falar pra nós mesmos. É por isso que repetimos as mesmas escolhas, uma e outra vez, até o dia em que morremos. Porque continuamos repetindo o mesmo diálogo interno até o exato momento da morte. Um guerreiro é consciente disso e luta para deter seu diálogo interno”
“É o diálogo interno o que amarra as pessoas ao mundo cotidiano. O mundo é assim ou assado somente porque nos contamos que é assim ou assado. A passagem ao mundo dos xamãs se abre quando o guerreiro aprende a parar seu diálogo interno”
“Mudar nossa idéia do mundo é a chave do xamanismo. E parar o diálogo interno é a única forma de consegui-lo. Quando um guerreiro aprende a parar seu diálogo interno, tudo é possível. Até os projetos mais descabelados se tornam factíveis”
“Sempre que o diálogo interno cessa, o mundo desaba e florescem extraordinárias facetas nossas, como se houvessem estado guardadas cuidadosamente por nossas palavras”
“A razão faz com que os seres humanos esqueçam que a descrição do mundo é somente uma descrição. E, antes de que percebam, capturaram a totalidade de si mesmos em um círculo vicioso do qual raramente escapam em toda sua vida”
“Um guerreiro não tem remorso por nada que tenha feito, porque isolar suas próprias ações chamando-as de mesquinhas, feias ou más, é dar-se a si mesmo uma importância injustificada. A questão está no que se enfatiza. Ou nos tornamos infelizes ou nos tornamos mais fortes. Dá o mesmo trabalho, um ou outro”
fonte: A Roda do Tempo – Carlos Castaneda

(...)
Em suma, o guerreiro era, para os xamãs do México antigo, uma unidade de combate tão sintonizada com a luta em volta dele, tão extraordinariamente alerta na sua forma mais pura, que ele não precisava de nada supérfluo para sobreviver. Não havia necessidade de dar presentes para um guerreiro, ou apoiá-lo com palavras ou ações, ou tentar dar-lhe consolo ou incentivo. Todas essas coisas já estavam incluídas na estrutura do próprio guerreiro. Desde que essa estrutura fosse determinada pelo intento dos xamãs do México antigo, eles se asseguravam de que qualquer coisa previsível estaria incluída. O resultado final era um lutador que lutava só e que tirava de suas próprias convicções silenciosas todo o impulso que necessitava para avançar, sem queixas, sem a necessidade de ser elogiado.
Carlos Castaneda

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