quarta-feira, 1 de maio de 2013

Octavio Paz: as trilhas do Labirinto

Revista Brasileira de História

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On-line version ISSN 1806-9347

Rev. bras. Hist. vol.20 n.39 São Paulo  2000

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882000000100010 

Octavio Paz: as trilhas do Labirinto
 
Antonio Paulo Rezende
Universidade Federal de Pernambuco

 

RESUMO
O texto analisa aspectos de algumas obras de Octavio Paz diretamente relacionados com a discussão sobre história e modernidade. O ponto central da análise é o livro O Labirinto da Solidão, ensaio sobre a identidade do povo mexicano. Destacam-se também as reflexões de Paz sobre a construção da história, de grande atualidade, inclusive, na perspectiva de suas dimensões simbólicas e míticas, presentes e importantes para compreender os contrapontos dos tempos modernos .
Palavras chave: História; Modernidade; Identidade.

ABSTRACT
The text anlyses aspects of some Octavio Paz’ work directly related with the discussion on History and modernity. The analysis’ main point is the book The labyrinth of Solitude, an essay about the mexican people’s identity. The text also shows Paz reflections about the construction of History, socurrent nowadays, inclusively, fro m the perspective of its symbolic and mythical dimension, present and importante to understand the counterpoints of modern times.
Key-words: History; Modernity; Identity.
 
 
OS CÓDIGOS DO MUNDO
Octavio Paz é, sobretudo, um poeta. O significado de seus escritos transcende as formulações que podem ser feitas por escritos, preocupadas apenas, com a clareza e a construção lógica da argumentação. O mais importante é que ser poeta não se restringe a fazer versos ou estruturar poemas. Isso se verifica na obra de Paz; mas os seus ensaios e artigos podem ser considerados também dentro de uma dimensão poética, compreendidos pelo seu significado estético e pela capacidade de inventar códigos para o mundo e encantá-lo, pelo seu poder de sedução e permanência. O poeta afirma-se por sua linguagem fundante e múltipla, seu ofício é primordial para a construção da cultura, para a inscrição e a restauração de símbolos. A obra de Paz é vasta, pontuada de reflexões sobre a história e a modernidade e por uma preocupação com os homens e suas relações sociais. O poeta não está descomprometido com a realidade em que vive, sugere alternativas, formula utopias, acreditando que a cultura não se explica, apenas, por uma racionalidade mecânica, porém, precisa ser lida nos seus conteúdos míticos que elucidam a razão de muitas perdas e desencontros. A complexidade do mundo e da cultura é um desafio para quem busca decifrar seus significados e descrevê-los. Ítalo Calvino, numa síntese preciosa, mostra-nos diálogos entre Marco Polo e Kublai Kan as possibilidades e a importância de se conhecer o mundo e as coisas, sem desprezar a relação entre forma e conteúdo, tão presente na obra de Octavio Paz:
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
¾ Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? - pergunta Kublai Kan.
¾ A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra - responde Marco -, mas pela curva do arco que estas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
¾ Por que falas das pedras? Só o arco me interessa.
Polo responde:
¾ Sem pedras o arco não existe1.

A nossa análise de aspectos da obra de Octavio Paz, na perspectiva de buscar elementos para compreender a relação entre o antigo e o moderno, não perderá de vista, portanto, a dimensão poética, respeitando a sua especificidade. Além disso, queremos reafirmar uma observação feita por Javier Gonzalez:
"Lo que muestra la lectura del poeta mexicano es que el pensamiento, de manera análoga al Universo, no tiene un centro verdadero; que todo centro es móvil y relativo. El gran esfuerzo de Paz se orienta a reafirmar la verdad conocida desde siempre por poetas y hombres de sabiduría: que el centro del mundo se encuentra en corazón de cada hombre"2.
A obra de Paz é uma abertura para a compreensão dos impasses da modernidade, marcada pela subjetividade do autor, que explora a diversidade, sem perder o sentido lúdico que se inscreve na montagem do seu texto. A obra de Paz requer cuidados, pois sua leitura do mundo não esconde as contradições e se posiciona diante delas, é uma permanente busca. Ele mesmo ressalta que
"Escribirmos para ser lo que somos o para ser aquello que no somos. En uno o en outro caso, nos buscamos a nosotros mismos. Y si tenemos la suerte de encontrarnos-señal de creación-descubririmos que somos un desconocido. Siempre el outro, siempre él, inseparable, ajeno, com tu cara y la mía, tú siempre conmigo y siempre solo"3.
Esse jogo dos contrários, a anunciação de perdas e ganhos que se sucedem na construção dos labirintos da cultura é constante na obra de Paz. Há uma tradução insistente do mito de Prometeu, dessa luta para dar uma ordem ao mundo e, ao mesmo tempo, enfrentar a persistente ameaça de caos, a presença de memórias do passado que mostram as rupturas e as tentativas de reconciliação, como se tivesse existido um tempo sem confrontos entre os homens e a natureza, daí a visualização de um paraíso que se perdeu, o incômodo da instabilidade e da insegurança, junto com a fantasia de também serem deuses ou semelhantes a eles. Parece que existe uma comunidade a se fundar, porque existe uma comunidade que se perdeu. Paz traça uma trilha de inconformismos, sem, contudo, entregar-se a um niilismo absoluto. Somos, para ele, seres incompletos que inventamos a cultura, numa procura quase desesperada de transcendência e ou mesmo de sublimação de nossas imperfeições, criando fantasias e imagens que amenizam nosso sofrimento, mas que não dão respostas para a solução de nossos enigmas. O território da cultura é um espaço de interrogações específicas de cada uma delas, mas também universais. Refletindo sobre a história do México sintetiza:
"No, no es arbitrario ver nuestra historia como um proceso regido por el ritmo - o la dialética - de lo cerrado y lo abierto, de la soledad y la comunión. No es difícil advertir, por outra parte, que el mismo ritmo rige las histórias de otros pueblos. Pienso que se trata de un fenómeno universal. Nuestra historia no es sido una de las versiones de esse perpetuo separarse y unirse com ellos mismo que há sido, y es, la vida de todos los hombres y los pueblos"4.
As afirmações de Paz remetem-nos ao cerne de sua construção teórica, enfatizada por uma parte de seus intérpretes. Já existe uma extensa produção que dá conta das várias travessias da obra de Paz. Escolhemos alguns autores que vão nos ajudar a conhecer mais de perto suas reflexões. Maya Schärer-Nussberger navega pela obra poética de Paz; Jorge Aguilar Mora preocupa-se em mostrar as contradições, em demistificar; Javier Gonzalez constrói o que entende ser a cosmologia poética de Paz; Enrico Mario Santi faz uma ampla análise da obra ensaística de Paz, traçando seus caminhos e opções; e Lúcia Fabrini de Almeida, uma síntese das principais concepções do autor. São leituras que nos servirão para formular contrapontos. Sabemos que as obras completas de Octavio Paz foram publicadas em 14 volumes e que a Bibliografia Crítica de Octavio Paz, publicada por Hugo Verani inclui mais de 6 mil referências. Estamos, portanto, diante de um escritor que conseguiu se universalizar e sua própria trajetória de vida pessoal facilitou esses diversos contatos com outros povos e culturas, presentes de maneira marcante na elaboração de seus textos. Tem razão Alicia Correa Pérez quando afirma que
"Octavio Paz, más que generador de un discurso exclusivamente poético, es el intelectual que há creado un discurso literario muy serio, estética y comprometido; producto, por uma parte, de una ideología política personal, y, por outra, de un amplio y auténtico conocimiento de la literatura y arte universales"5.
Nessa perspectiva, poderíamos explorar essa relação com a dialética, com os jogos dos contrários, já assinalados anteriormente. Paz trabalha insistentemente com a dualidade, com a contradição: vida/morte, história/mito, eu/outro, abertura/fechamento, tradição/ruptura. Seu pensamento se constrói tecendo relações, mesmo entre conceitos abstratos, quando o autor trabalha com aspectos do modernismo ou mais concretos, como veremos na análise do livro El Laberinto de la Soledad. Esse jogo dialético faz parte de sua argumentação, mas também de sua estética. O texto de Paz é sempre sedutor, atraente, mesmo que discordemos das suas "verdades". Dá importância à forma, à cartografia das palavras. É importante frisar, porém, que a contradição para o autor é um dado da realidade histórica e também da construção do imaginário social. Essa facilidade de criação de linguagens, de explorar os aspectos lúdicos do texto, é bastante celebrada pelos estudiosos da obra de Paz. Quando formula seu conceito de modernidade, ele usa um desses pares, aparentemente inconciliáveis, tradição e ruptura, de maneira singular. Afirma Paz que "La modernidad es una tradición polemica y que desaloja a la tradición imperante, cualquiera que ésta sea; pero la desaloja sólo para, un instante después, ceder el sitio a manifestación otra tradición que, a su vez, es outra manifestación momentánea de la actualidad"6. É permanente, no autor, essa preocupação em mostrar que nas oposições se escondem possibilidades de complementaridade.
Se a modernidade se constrói com a relação dialética entre o antigo e o moderno, a idéia de que o moderno rompe radicalmente com o passado camufla e mistifica, contribuindo para pensarmos a relação entre o passado e o presente de uma maneira linear. Mas Paz faz uma advertência:
"Lo moderno no se caracteriza únicamente por su novedad, sino por su heterogeneidad. Tradición heterogénea o de lo heterogéneo, la modernidad está condenada a la pluralidad: la antigua tradición era siempre la misma, la moderna es siempre distinta. La primera postula la unidad entre el pasado y el hoy; la segunda, no contenta com subrayar las diferencias entre ambos, afirma que ese pasado no es uno sino plural"7.
A tradição da ruptura aponta para uma relação de estranhamento entre passado e presente, necessária para que o moderno se constitua enquanto descontinuidade. A história das vanguardas do modernismo aponta para um fazer estético que sempre desafia, que se pensa como origem do instituinte, como negação do que já foi instituído. A tradição, o que se repete, é o desejo de ruptura, e não a exaltação do antigo como modelo, mas da consagração do novo, do diferente. A releitura ou a nova significação que é dada ao conceito de tradição torna bastante evidente a ambigüidade que marca a relação entre o antigo e o moderno. O rompimento com os padrões clássicos cria a abertura para o novo, mas também a fetichização do novo, uma ânsia de velocidade que leva ao esvaziamento posterior dos mais festejados movimentos artísticos de vanguarda. O moderno se torna um clássico, um modelo a ser imitado, perde sua aura, com a massificação e a industrialização da cultura.
As teorizações de Paz recebem de Jorge Aguilar Mora, no seu livro La Divina Pareja, críticas radicais. Mora elogia o poder de sedução dos textos de Paz, mas observa que ele esconde aspectos contraditórios e vazios da obra do autor. Para Mora,
"Si se lee com cuidado el esbozo histórico de Paz se verá que la continuidad está dada por la oposición de varias parejas abstractas: origem contra contemporaneidad (esbozo), ser contra no-ser, identidad contra negación de la identidad... Esta opsición tiene como fundamento de principio la Unidad anterior: la reconciliación del origen com el presente ( o com el futuro) no es un tipo preciso de historia sino una Identidad"8.
Mora refuta também o conceito de modernidade e sua concepção de história. Segundo Mora, por conceber a história como una linha reta ou curva, como uma sucessão, Paz termina por não perceber a complexidade dos fenômenos históricos, pois a história, para ele, "es el presente que asimila todas la contradicciones de todos los pueblos, pero sólo es un plano sincrónico, infinitamente sincrónico: el presente eterno, el presente que se desplaza con el presente de historiador historicista"9.
As críticas de Mora reforçam a idéia de que, na obra de Paz, o encanto da forma esvazia o conteúdo, obscurece o concreto, constrói o mito, busca uma identidade perdida, inventa conceitos como figuras retóricas. O poeta não consegue dar substância, portanto, às suas análises, ficando seus textos enredados no lúdico, no jogo estético dos significados. Não é, contudo, essa a compreensão que Lúcia F. de Almeida tem da obra de Paz, quando afirma que, ao pensar as produções culturais do homem, "privilegia determinado operador temporal, sem excluir os demais que se organizam como pano de fundo, a criar sintaxes de figura e fundo"10. A operação pode ser pensada a partir das imagens de um caleidoscópio, pois são múltiplas leituras do mundo que buscam analisar a sua complexidade e diversidade. O próprio Paz descarta uma concepção linear de tempo, considerando a multiplicidade das suas representações. O tempo é, efetivamente, uma categoria básica para se pensar a história e a possibilidade de compreendê-la.
Em outros ensaios do autor, especialmente em Los Hijos del Limo, está presente a preocupação com a dimensão temporal da história e da cultura, inclusive como ela está incorporada e se apresenta nas obras do modernismo. Não se pode exigir de Paz as medidas de uma lógica cartesiana. Não se trata de afirmar, portanto, como faz Mora, que Paz cria máscaras para a história, transformando-a numa sucessão de signos e imagens. Por trabalhar com as múltiplas dimensões, Paz não nega suas invariáveis, mas não despreza a idéia da existência de uma natureza humana. Numa entrevista concedida a Enrico Mario Santi, afirma:
"Hay aquello que decía aquel historiador inglés Toynbee, que hay un ritmo de salida y regreso; es el ritmo de todos los hombres, es el ritmo humano: salimos da la matriz y volvemos a la tumba. Esa es la vida del hombre y nustra vida personal. Como en la vida de las sociedades este doble ritmo de salida y retorno se reproduce no una sino muchas veces. Yo he salido y he regresado mucha vezes. Este ritmo de de regreso y salida es fundamental"11.
Está sempre presente, na obra de Paz, muitas vezes metaforicamente, a idéia de que existem as histórias de cada um, com suas singularidades e seus movimentos, suas permanências e suas mudanças, mas há marcas, comuns a todos os homens, que nem o ritmo veloz de mudança da modernidade conseguiu destruir. Esse parece ser um dos fundamentos básicos da cosmologia poética de Paz, da sua leitura dos códigos do mundo e da criação de seu próprio código: "uno escribe para ser uno mismo, pero en realidad uno escribe para ser outro, ese desconecido que escribe en nosotros".
As trilhas do labirinto são inúmeras, mas talvez essa multiplicidade esconda na verdade, a existência de apenas uma única trilha que nos levaria com segurança à saída que buscamos, as vezes desesperadamente. A história se move a partir dessas incertezas, de uma memória que guarda lembranças confusas de um passado aparentemente perdido, que nos persegue e nos alimenta, como mito fundador que nos atrai para um ponto de origem. O moderno nos aponta para o futuro, procura desviar nosso olhar das imagens pretéritas, desfazer nossas lembranças, ora substituindo-as por utopias, ora pela busca constante do novo. A modernidade inaugura a crítica radical ao tempo que se contempla a si mesmo e se acha definitivo. Mexe com o narcisismo e termina por se deixar levar por suas armadilhas. Paz nos coloca todas essas interrogações, recorrendo a sua capacidade de explorar as contradições como parte constante da construção da história, mas elas não são fundantes, não fazem parte dos primeiros códigos do mundo. Elas evidenciam que algo foi perdido, talvez a harmonia entre o homem e a natureza ou a identidade entre a palavra e a coisa, na perspectiva da linguagem.
A história realiza-se como uma possibilidade sempre presente de reconciliação, porém não possui um sentido imanente. Talvez Foucault tenha razão quando conclui que "A história não tem 'sentido', o que não que dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas"12. Foucault está fazendo uma crítica à "dialética", reduzida ao esqueleto hegeliano, e à "semiologia" que, para ele, disfarça o caráter violento da história, com suas disputas e lutas pelo poder. Nas análises históricas de Octavio Paz não está excluída a idéia de conflito, nem tampouco se compreende a história como um território de limites claramente definidos. Há uma complexidade que as palavras ajudam a desnudar, mas também a esconder. O poder da linguagem é ressaltado por Paz: "La historia del hombre podría reducirse a la de las relaciones entre palabras y el pensamiento. Todo período de crisis se inicia o coincide com una crítica del lenguaje". E acrescenta, lembrando as análises de Nietzsche que "Al desvelar el significado de ciertas palabras sagradas e inmutables- precisamente aquellas sobre las que reposaba el edificio de la metafísica occidental-minó los fundamentos de esa metafísica"13. Há, pois, uma relação dialética entre as palavras e as coisas.
A arquitetura do labirinto sintetiza toda uma concepção de história que, no caso de Paz, está articulada com sua concepção de linguagem. Há trilha(s), saída(s), porém, nem mesmo sabemos se é possível a reconciliação. Essas incertezas nos trazem a dimensão mítica da construção do mundo. Os mitos nos encantam porque "revelam tudo o que se passou, desde a cosmogonia até a fundação das instituições sócio-culturais." É importante acrescentar que "essas revelações, entretanto, não se constituem um conhecimento no sentido estrito do termo, elas não exaurem o mistério das realidades cósmicas e humanas"14. Os escritos de Octavio Paz não têm a pretensão de esgotar o real, encontrar-lhe uma forma definitiva, mas não desprezam o mito e atraem pela sua magia, pela sua busca do universal, sem perder de vista as fronteiras do seu território, ao mesmo tempo em que registram a dimensão trágica da história, lembrando-nos Nietzsche e Freud, pensadores presentes na elaboração das suas idéias. Há um mal-estar permanente que atravessa a construção da cultura. Tudo isso se relaciona com a condição humana, marcada pela imperfeição e pela mortalidade. A nossa capacidade de inventar e criar não nos livra nem da solidão, nem do labirinto.
 
O LABIRINTO E A SOLIDÃO
El Laberinto de la Soledad é o livro mais famoso e polêmico de Octavio Paz. Publicado em 1950 e escrito entre 1948 e 1949, em Paris, tornou-se, para Enrico Mario Santi, "una de las piezas clave de la literatura moderna: ensayo él mismo moderno y refléxion crítica sobre la modernidad". A dimensão do livro é comparada a outras obras importantes escritas para se discutir o tema da identidade nacional, como Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Radiografía de la Pampa (Ezequiel Martínez Estrada), La Expression Americana (José Lezama Lima). Paz reflete sobre a história do México, sua identidade, a mexicanidade. Segundo afirmações do próprio Octavio Paz, ele não teve, ao escrever seu livro, "ningún propósito didáctico o moral sino un propósito de autoconocimiento y claro, al tratar de reflexionar sobre uno mismo, uno reflexiona sobre su propria historia y sobre la historia de los que son de su sangre o de su sociedad"15. No entanto, Jorge A. Mora afirma que "No hay en Paz ningún intento de historificar ningun de esos rasgos, ningún intento de mostrar su mecanismo naturalizador: los asume como imágenes y los análise como fenómenos que resultan ser puros epifenómenos, es decir, máscaras impuestas al mexicano". Para ele, "Si Paz no sitúa temporalmente su libro es por algo: situarlo hubiera representado incluir causas sociales, políticas, económicas que le hubieran destruido ese equilibrio ideal que construyó" portanto, El Laberinto de la Soledad é resultado, na visão de Mora, de uma modelo de análise idealista, niilista, que mostra o caráter conservador da crítica cultural de Octavio Paz16.
Não se pode negar que há, no livro, um propósito de apresentar as tradições mexicanas, suas máscaras, seus desejos de ruptura, suas perdas, suas impossibilidades de sair do labirinto, sua solidão contemporânea da modernidade. O mexicano firma sua identidade histórica, inventando suas singularidades, traçando suas diferenças com outros povos e culturas, criando formas e espelhos para traduzi-las. Ao ser ele mesmo, termina por universalizar-se, eis o cerne da dialética de Paz. Refletindo sobre a história mexicana, o autor reflete sobre si mesmo, sobre a condição humana, sobre a história na sua dimensão mais ampla, com sua arquitetura labiríntica e seu equilíbrio instável. O texto de Paz é uma revelação, contém descobertas, mas mantém o olhar de desconfiança sobre o destino da modernidade. Paz parece não querer cultivar certezas nem utopias, nem estrutura um tempo sistemático, previsível, apesar de respeitar a sucessão dos fatos da história tradicional. Esconde-se na solidão que os códigos da linguagem lhe permitem, para não fugir da coerência que marca sua obra, sua identidade possível, que é o fio que pode nos conduzir pelos caminhos dos seus labirintos. Usa a história como pretexto para fazer uma reflexão sobre o ser e a identidade, sobre a permanência e a mudança, num tempo de longa duração, no qual o real e o imaginário dialogam com o autor e com seus leitores.
Como ensaio, El Laberinto de la Soledad é uma interpretação da realidade, construída por meio de imagens sedutoras, mas que revela o sentimento e a compreensão do autor sobre a história mexicana. Na análise de Patricio Eufracio S., há uma tendência arquetípica nos ensaios de Paz, pois "pretende una interpretación, una recriación ideal que se contituya en el idóneo punto de partida para vivir en y com la realidad". Estruturando seus ensaios combinando o discurso narrativo com o lírico, "Paz crea el arquetipo que permite traducir la impersonal y inasible realidad de todos, en una realidad particular u propia, y, por ello, existente y manejable hacia los demás". A linguagem literária assume lugar fundamental, o que Eufracio chama de "literaturización de la realidad"; "Los personajes sobre lo que versa-héroes y antihéroes- pueden ser personas, conceptos poético y literários o hechos de la historia"17. Essa dimensão literária contribui para que o livro de Paz seja visto também como "punto de partida generador de la literatura urbana"18. A obra de Paz teve uma recepção polêmica, pois, segundo Adolfo Castañon,
"ponía al descubierto muchas de las capas morales que constituyen el entonces y tal vez todavía intocable ser del mexicano: una de ellas es el resentimiento, essa avidez vengativa que nace en el corazón y sometido; outra es el parricidio y la consagración simbólica de la violencia"19.
El Laberinto de la Soledad tem conteúdo múltiplo, não pode ser vista apenas como um ensaio histórico-literário, além de expressar toda uma experiência intelectual vivida por Octavio Paz, suas leituras de Roger Caillois, Nietzsche, Freud, Marx, os surrealistas e tantos outros, sem que isso anule a subjetividade do autor e a singularidade da sua obra.
Para os estudiosos da obra de Octavio Paz, o ponto de partida de El Laberinto de la Soledad é o livro de Samuel Ramos El Perfil del hombre y La Cultura en México, texto clássico sobre a identidade mexicana publicado em 1934, na mesma década em que no Brasil saíam Evolução Política do Brasil (Caio Prado Júnior), Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda). Pela estrutura de capítulos, percebem-se os temas básicos enfocados pelo autor: o ser mexicano e suas contradições, as dificuldades de superar as marcas da colonização e de se inserir na modernidade, as máscaras que ocultam ou dissimulam o ser mexicano, a forte presença da religião na cultura mexicana, as relações ambíguas entre o sagrado e profano. O livro, que não teve grande repercussão em seu lançamento, é um ensaio com uma dimensão poética sempre presente, na perspectiva moderna, em que razão e mito dialogam na busca de um sentido para a história e/ou na possibilidade de encontrar uma saída do labirinto. As relações entre o passado e o presente mostram como os tempos históricos se misturam e se confundem. Paz ressalta as permanências e os artifícios políticos utilizados para disfarçá-las.
A sua análise está bastante influenciada pelas teses freudianas sobre a cultura e os conflitos humanos. A forma de o passado se repetir no presente revela o drama, não do mexicano, mas do ser humano, as suas neuroses e angústias, a procura do equilíbrio que nunca se concretiza. As instituições da cultura, ao mesmo tempo que revelam uma capacidade do homem de resolver seus impasses e construir seu domínio sobre a natureza, impõem regras, disciplinam, reprimem e controlam os desejos. A morte e a vida, o prazer e o desprazer, os sonhos e o princípio de realidade, o consciente e o inconsciente formam pares importantes na análise de Paz que testemunham sua ligação com Freud. A leitura do passado é, portanto, imprescindível, para se desvendarem as trilhas que seguimos e a possibilidade de redefini-las, para estabelecer as relações entre história e memória, cruciais para se entender a obra de Paz. Como assinala Freud, "No podemos sino atenermos a la conclusión de que en la vida psíquica la conservación de lo pretérito es la regla, mas bien que una curiosa excepción"20. Os quatro primeiros capítulos de El Laberinto apontam, claramente, para a utilização de conceitos freudianos, a importância da "otredad", quando comparam os pachucos aos norte-americanos, pontuando suas singularidades.
A escolha da solidão como tema revela outras raízes da obra de Paz. Segundo afirma Enrico Mario Santi
"Al escoger el término soledad por cima del alienación, Paz recoge, por tanto, toda esta tradición filosófica pero tambiém crítica: soledad es la imagen concreta del concepto abstrato alienación. Mientras que la alienación se piensa, la soledad se siente o, mejor dicho, se padece"21.
O conceito de alienação marca presença hegeliana na obra de Paz, com uma leitura influenciada evidentemente pelas ligações que Paz tem com o romantismo. A solidão e a alienação expressam perdas e distanciamentos, são conceitos pensados ou experiências vividas, através da relação do eu com o outro, nossos espelhos, nossas referências para a construção das nossas identidades. A solidão expressa a dificuldade de se reconciliar com o outro, a nostalgia de algo que foi perdido, que nos tira a coragem de enfrentar o mundo, ou mesmo nosso desencantamento com as coisas que nos cercam, uma certa dose de niilismo. Nessa perspectiva, o estudo da história pode fazer emergir o que está escondido ou aparentemente perdido, abrir caminhos para a reconciliação, lembrando o sistema filosófico que Hegel elaborou a partir do uso da lógica dialética, já preocupado com as rupturas e fragmentações apresentadas pelo mundo moderno.
Outro filósofo presente na obra de Paz é Nietzsche, sem dúvida um dos grandes críticos da modernidade, dos seus valores e da sua concepção de mundo. El Laberinto de la Soledad é um ensaio crítico que revela a decepção do seu autor com as aventuras da modernidade. A sua crítica à modernidade está presente na maioria dos seus ensaios, na sua admiração pelo romantismo, na construção da sua concepção de história. Paz, mesmo antes que a discussão sobre o pós-modernismo e a pós-modernidade ganhasse espaço, já anunciava os limites da modernidade. Faz essa crítica sem, porém, renunciar a uma linguagem que traduz sua vinculação com a literatura moderna. A dialética do antigo e do moderno tem significado importante nas suas reflexões, por isso seus textos revelam contradições ou relação singular entre forma e conteúdo. Seu pessimismo se apresenta em uma de suas obras, ao afirmar que
"La modernidade fue fija de la Ilustración pero que dirían los filósofos ilustrados ante la realidad deste final de siglo? Ellos suponían que la desaparición del analfabetismo elevaría el alma y el entedimiento de los hombres: Homero, Platón, Virgílio y Dante se convertían en autores populares. Quén leen la masa del siglo XX? Best-sellers, historietas y pornografías" 22.
A sua admiração pelo romantismo é plenamente compreensível no contexto da sua obra, pois como lembra Lúcia F. de Almeida "O Romantismo é um dos resultados contraditórios da Ilustração, porque opõe à razão crítica a visão da analogia universal: o universo é um sistema de correspondências, uma constelação de signos onde tudo está cifrado"23. Paz incorpora essa visão de mundo, como também um sentimento trágico diante da vida, uma desconfiança com as possibilidades de reinventar trilhas que poderiam ajudar a sair do labirinto.
Nietzsche foi um crítico e estudioso da linguagem, dos significados que as palavras assumem e suas relações com o poder instituído. Paz tem essa preocupação, quando no seu livro questiona e analisa os chamados mitos mexicanos, partindo dos significados que eles possuem na linguagem cotidiana. Numa obra posterior, El Arco y La Lira, fará uma reflexão sobre a linguagem e o poema, afirmando inclusive que o homem é uma metáfora de si mesmo. A análise da linguagem feita em El Laberinto da Soledad é um dos recursos que usa para quebrar o hermetismo presente na cultura mexicana e revelar o seu apego à forma. Segundo Paz, "El mexicano no sólo no se abre; tampoco se derrama", o pudor, o recato, a desconfiança estão incorporados ao ser mexicano. A dissimulação e o mimetismo são exemplos de práticas de vida que acompanham o mexicano, reforçando o tradicionalismo, dificultando suas relações com o moderno. Ainda no capítulo I, fazendo comparações com outros povos, Paz ressalta: "Me parece que para los norteamericanos el mundo es algo que se puede perfeccionar; para nosotros, algo que se puede redimir. Ellos son modernos. Nosotros creemos que el pecado y la muerte constituyem el fondo último de la naturaleza humana". O que nos lembra Nietzsche, na obra de Paz, não é só a crítica da modernidade, mas também um niilismo que revela um sentimento trágico com relação aos caminhos do homem, uma certa impossibilidade de romper com os limites, apesar dos feitos e invenções culturais.24
Usando a história como fonte para decifrações dos enigmas da identidade nacional mexicana, Paz questiona, ao mesmo tempo, seu poder de revelação: "Las circunstancias históricas explican nuestro carácter en la medida que nuestro carácter también las explica a ellas. Ambas son lo mismo. Por eso toda explicación puramente histórica es insuficiente-lo que no equivale a decir que sea falsa". Mas a história, para Paz, não é apenas as relações sociais, a produção material de objetos. No IV capítulo, "Los Hijos de La Malinche", ele ressalta a importância do imaginário, com suas fantasias e fantasmas, com fortes raízes no passado, tão atuante na formação dos valores e das perspectivas de cada povo, quando faz a análise da religiosidade do mexicano que se expressa na força da sua linguagem, e de sua poesia e seus sinais de solidão. Paz vê na solidão um sentimento de dimensão universal, componente da cultura moderna, como uma condenação ou reação às hostilidades do mundo. A história da modernidade é, sobretudo, uma busca de transcender esse sentimento de solidão. Paz procura entender, em seus capítulos mais históricos, as rupturas e as permanências que justificam a atual situação do povo mexicano. Não é só uma imersão na história mas no ser mexicano, uma leitura do passado que antecede a chegada dos espanhóis. Para Octavio Paz, "(...) la Conquista de México es un hecho histórico en el que intervienen muchas y muy diversas circunstancias, pero se olvida com frecuencia la que me parece más significativa: el suicidio del pueblo azteca". A história do México é marcada por evidentes tradições de violência e desamparo: "Ningún outro pueblo se ha sentido tan totalmente desamparado como se sintió la nación azteca ante los avisos, profecías y signos que anunciaron su caída".25
O mundo colonial mexicano era, portanto, a projeção de uma sociedade que já existia na Europa. Nele, havia muito pouca originalidade. Mesmo o catolicismo se apresentava decadente, sem poder de renovação, mas isso não tira sua importância, como assinala Paz: "El catolicismo es el centro de la sociedad colonial porque de verdad es la fuente de vida que nutre las actividades, la pasiones, las virtudes y hasta los pecados de siervos e señores, de funcionarios e sacerdotes, de comerciantes y militares"26. Numa sociedade sem perspectiva de criações duradouras e de reflexões intelectuais que a tirassem da apatia, a figura de Sor Juana tem uma dimensão singular. Sua imagem é de uma solitária, seu silêncio está povoado de vozes, sua vida uma ruptura com a mesmice colonial. Paz vai escrever, anos depois, um livro analisando exaustivamente a obra de Sor Juana.
A independência do México acontece no século XIX, liderada pela aristocracia nativa. Para Paz, significa mais um episódio que mostra as dificuldades de as nações hispoamericanas criarem as suas utopia "es un hecho ambiguo y de difícil interpretación porque, una vez más, las ideas enmascarm a la realidad en lugar de desnudarla o expresarla". Mais uma vez, a dualidade, as máscaras encobrem identidades ou mesmo verdades que nunca conseguem espaço para se revelarem. Paz parece remeter-se a um destino, a uma fatalidade, como se houvesse uma idéia transcendente que nos lembrasse a filosofia da história de Hegel. Não deixa de assinalar que a "América nos es tanto una tradición que continuar como un futuro que realizar". Há uma descontinuidade que evita o fortalecimento de uma tradição ou perdas históricas que dificultam uma reconciliação com o passado? A projeção para o futuro e a construção de utopias podem revelar o desejo de rupturas, de construção de uma nova identidade. O texto de Paz desenha arquiteturas labirínticas que nos fazem desconfiar de que está implícito, no seu raciocínio, um niilismo constante, atenuado pela estética da sua linguagem, pelo poder de sedução de suas imagens. Nas suas reflexões, não são raras afirmações que registram a dialética da permanência e da mudança, do destino e da liberdade, do encanto e do desencanto, do desespero e da esperança. Segundo Paz,
"La historia tiene la realidad atroz de una pesadilla; la grandeza del hombre consiste en hacer obras hermosas y durables com la substancia real de esa pesadilla. O dicho de outro modo: tranfigura la pesadilla en visión, liberarnos, asi sea por un instante, de la realidad, disforme por medio de la creación".27
A história parece atravessada pelos desencontros. A independência consolida-se com a reforma constitucional de 1852, uma reforma que despreza o passado e que procura se justificar no futuro. Para Paz, a reforma instala uma ditadura ilustrada, a sua proposta política está baseada no positivismo francês e na igualdade formal instituída pelo direito burguês. A reforma é, portanto, caracterizada pela inautenticidade. É artificial, não tem correspondência com as tradições mexicanas: "La simulación porfirista era particularmente grave, pues al abrazar el positivismo se apropiaba de un sistema que históricamente no le correspondía". O México chega, ao final do século XIX, sem descobrir qual o seu espaço na modernidade, que tradição deveria seguir para buscar sua identidade. Há, portanto, na análise de Paz uma relação histórica entre modernidade, tradição e identidade de difícil construção na sociedade mexicana. Só com a Revolução mexicana haverá, segundo Paz, essa autenticidade, a revelação do verdadeiro ser dos mexicanos. Sua singularidade está marcada pela "ausencia de precursores ideológicos y la escasez de vínculos com uma ideología universal (...)". A sua base social era composta de camponeses, operários e da classe média.28
Octavio Paz mostra sua simpatia com os rumos da Revolução, sobretudo com o resgate que ela faz da questão agrária, para ele fundamental. Mas Paz faz uma leitura diferente do conteúdo da revolução, que não a associa a idéia de uma ruptura radical ou de um tempo linear e progressivo. Segundo Paz "Toda revolución tiende a establecer una edad mítica... El 'eterno retorno' es uno de los supuestos implícitos de casi toda teoría revolucionaria". A Revolução não é, portanto, a instalação do novo, mas, sobretudo, uma reconciliação ou o reencontro com algo que havia sido perdido. O zapatismo, ao fazer do "calpulli" o elemento básico da organização econômica e social, retoma as tradições mexicanas, embora o liberalismo termine por triunfar com o governo de Caranza. Nem por isso Paz deixa de dedicar elogios aos revolucionários, chegando a ressaltar que "la fertilidad cultural y artística de la revolución depende de la profundidad com que su héroes, sus mitos y sus bandidos marcaron para siempre la sensibilidad y la imaginación de todos los mexicanos". Além disso, a Revolução teve a dimensão de busca da tradição, foi "una portentosa fiesta en la que el mexicano, borracho de sí mesmo, conoce al fin, en abrazo mortal al otro mexicano". Enfim, parecia possível construir uma identidade histórica, pensar num retorno também festivo a um México autêntico. A Revolução significou, pois, a imersão do México no seu próprio ser.29
O capítulo VII de El Laberinto de la Soledad é dedicado à análise da inteligência mexicana e das relações entre cultura e história. Paz considera que essas relações não simétricas. Para ele, muitas vezes, a cultura profetiza a história. Seria um erro, portanto, ver a cultura como um reflexo da história, numa concepção de tempo linear e mecânica. Feitas as ressalvas, o autor coloca que seu interesse não é analisar as obras consideradas de criação, mas descrever certas atitudes da "inteligência mexicana" entendida como um grupo que fez do pensamento crítico sua atividade vital e influencia na vida política mexicana. O pensador escolhido, para o início da sua análise, é José Vasconcelos, considerado o fundador da educação moderna no México. As reflexões de Vasconcelos e sua ação têm vínculos com a Revolução, seguem seu movimento, buscam as tradições populares. Vasconcelos constrói um movimento educativo orgânico, comunga com o passado e com a tradição, pois ele "poseía esa unidad de visión que imprime coherencia a los proyectos dispersos, y que si a veces olvida los detalles también impide perderse en ellos. Su obra-sujeta a numerosas, necesarias y no siempre felices correciones-no fue la del técnico sino la del fundador". A obra de Vasconcelos pensa a questão iberoamericana, busca uma tradição que se justificava no futuro, "posee la coherencia poética de los grandes sistema filosóficos, pero no su rigor; es un monumento aislado, que no há originado una escuela ni un movimiento". Tudo isso dificultou a sua permanência ou mesmo seu encontro mais profundo com o "ser" mexicano.30
O término do período militar da Revolução fez com que muitos intelectuais passassem a colaborar com os governos, convertendo-se em conselheiros, perdendo seu poder crítico, envolvendo-se com a burocracia. Mesmo aqueles que se inclinaram para o marxismo não conseguiram fugir do oficialismo stalinista. Segundo Paz, a Revolução descobriu o rosto do México, abrindo um imenso espaço para a inteligência mexicana mergulhar nas sua tradição, inventar caminhos, arquitetar reconciliações. Embora ressaltando os limites, Paz considera o livro El Perfil del Hombre y de La Cultura en México, escrito por Samuel Ramos, de grande importância, pois "no sólo la mayor parte de sus observaciones son todavía válidas, sino que la idea central que lo inspira sigue siendo verdadera; el mexicano es un ser cuando se expresa se oculta; sus palabras y gestos son casi siempre máscaras". Jorge Cuesta é outro intelectual preocupado com as tradições mexicanas, procurando inseri-las num contexto mais universal. Para Cuesta, o "México es un país que se há hecho a sí mismo y que, por lo tanto, carece de pasado". Paz destaca também a obra de Adolfo Reys por sua fidelidade à linguagem que "implica fidelidad a nuestro pueblo y fidelidad a una tradición que no es nuestra totalmente sino por un acto de violencia intelectual"31. Mas o esforço da intelectualidade não conseguiu superar a grande dificuldade: encontra uma forma autêntica que expresasse a singularidade mexicana. Sua síntese é pessimista:
"La Revolución fue un descubrimiento de nosotros mismos y un regreso a los orígines, primero; luego una búsqueda y una tentativa de síntesis, abortada varias veces; incapaz de asimilar nuestra tradición, y ofrecernos un nuevo proyecto salvador, finalmante fue un compromiso. Ni la Revolución há sido capaz de articular toda su salvadora explosión en una visión del mundo, ni la "inteligencia" mexicana há resuelto esse conflicto entre la insuficiencia de nuestra tradición y nuestra exigencia de universalidad".32
Resta viver a crise, que não é só da sociedade mexicana, mas de todos os homens, que os coloca num labirinto, como órfãos de um passado e com um futuro a inventar. "Por lo tanto", afirma Paz, "toda tentativa por resolver nuestros conflictos desde la realidad mexicana deberá poseer validez universal o estará condenada de antemano a la esterilidad". A história está entrelaçada com a modernidade, no seu momento crítico, onde a utopia e a tradição se fragmentaram e há uma perda de sentido. É o território da solidão, apesar de o modelo ocidental de civilização conseguir dar uma unidade ao que antes era uma pluralidade de culturas, pois "Todas las civilizaciones desembocam en la occidental, que ha asimilado o aplastado a sus rivales...El hombre há reconquistado su unidad...La crisis contemporánea no se presenta, según dicen los conservadores, como la lucha entre dos culturas diversas, sino como una escisión en le seno de nuestra civilización". As análises de Paz são contraditórias. Nelas, há um forte sentimento de perda, uma vazio histórico que parece irreversível, mas, ao mesmo tempo, uma abertura para reconciliação e para comunhão, temas freqüentes em El Laberinto de la Soledad. Pode-se procurar saídas que não são exclusivas para o México. Elas serão trilhas a ser perseguidas por todos os homens: "Hoy el centro, el núcleo de la sociedad mundial, se ha disgregado y todos nos hemos convertido en seres periféricos, hasta lo europeos y los norteamericanos. Todos estamos al margen porque ya no hay centro".33
O capitalismo expandiu-se com seus símbolos e suas promessas de riqueza. Há uma modernização avassaladora que produz mudanças radicais nos costumes, na valorização do trabalho, na construção do cotidiano. Paz lamenta que a Revolução Mexicana não tenha conseguido transformar seu país numa comunidade, tampouco numa esperança de comunidade. A dificuldade de efetivar experiências democráticas não está restrita aos desencontros da política mexicana. É que, nos países ditos periféricos, a busca é mais desesperadora. É que esses países se espelham nos países ditos avançados, para modernizar suas sociedades. Na sua análise sobre o contexto da época em que escrevia o livro, Paz reforça as conclusões a que havia chegado no capítulo sobre a inteligência mexicana. Apesar de reconhecer as perdas ("Pues tras este derrumbe general de la Razón y la Fe, de Dios y de la Utopía, no se levantam ya nuevos o viejos sistemas intelectuales, capaces de albergar nuestra angustia y tranquilizar nuestro desconcierto: frente a nosotros no hay nada. Estamos al fin solo. Como todos los hombres"), a possibilidade de romper o cerco e construir solidariedades: "Allí, en la soledad abierta, nos espera tambiém la trascendencia: las manos de otros solitarios. Somos, por primera vez en nuestra historia, contemporáneos de todos lo hombres")34. Qual o projeto que pode redefinir os caminhos do homem, retirá-lo da solidão? Eis a questão básica que nos deixa a leitura de El Laberinto de la Soledad.
 
O TEMPO DA RECONCILIAÇÃO
O apêndice de El Laberinto de la Soledad intitula-se La Dialética da Soledad, é uma reflexão sobre os destinos da modernidade, marcada por uma visão poética e mítica de mundo. O homem é definido pela sua solidão, pois ela é "el fondo último de la condición humana... El hombre es nostalgia y búsqueda de comunión. Por eso cada vez que se siente a sí mismo se siente como carencia de outro, como soledad". A ruptura e a separação fazem parte da nossa história. O outro existe como um complemento, mas também como espelho que nos ajuda a amenizar nosso desamparo. Lutamos, cotidianamente, para fugir da solidão. Mais uma vez, a possibilidade ou a busca da reconciliação é colocada. Mas em que tempo se localiza essa reconciliação, qual a saída para nos livrarmos das perdas? O labirinto tem uma arquitetura freudiana. Somos seres solitários, para que possamos ter consciência de nós mesmos. Segundo Paz, "La plenitud, la reunión, que es reposo y dicha, concordancia com el mundo, nos esperan al fin del laberinto de la soledad". Somos habitados por uma dialética na qual comunhão e solidão ora se opõem, ora se complementam, mas a experiência da solidão está presente nos extremos da existência, na vida e na morte. O amor é o grande antídoto para nossas dores e desesperos, é livre eleição, descobrimento da parte mais secreta do nosso ser: "Creación e destrucción se fundem en el acto amoroso; y durante un fracción de segundo el hombre entrevé un estado más perfecto".35
Se o amor aparece como a alternativa para se sentirem os sinais do paraíso, a sociedade moderna não consegue ampliar o espaço para vivê-lo e multiplicá-lo. O diagnóstico de Paz é pessimista:
"La situación del amor en nuestro tiempo revela cómo la dialéctica de la soledad en su más profunda manifestación, tiende a frustrarse por obra de la misma sociedad. Nuestra vida social niega case siempre toda posibilidad de auténtica comunión erótica"36.
Defender o amor constitui para Paz uma tarefa revolucionária, uma tentativa de se contrapor ao mundo das mercadorias e da produção, do pragmatismo e do utilitarismo que procura destruir a dialética da solidão. Ela é que faz possível o amor. O tema do amor está presente na obra poética e ensaística de Paz, sobretudo num dos seus livros mais recentes La Llama doble. Amor y Erotismo, publicado em 1993. Nele, Paz escreve reflexões que nos remetem aos tempos de El laberinto de la Soledad que mostram as permanências na sua visão de mundo. Uma delas, já na parte final, afirma:
"Al nacer, fuimos arrancados de la totalidad; el amor todos nos hemos sentido regresar a la totalidad original. Por esto, las imágenes poéticas transforman a la persona amada en naturaleza-montaña, agua, nube, estrella, selva, mar, ola -y su vez, la naturaleza habla como si fuese mujer. Reconciliación com la totalidad que es el mundo"37.
O elogio ao amor é, portanto, um reencontro com a nossa pulsão de vida, o nosso pacto com Eros, com os sinais da comunhão e da reconciliação, diante dos tantos momentos de rupturas e solidão. A vida do homem é marcada por essa dialética implacável que nos acompanha desde nosso nascimento, na própria construção do imaginário, na nossa concepção de santos, redentores e heróis e na formulação da linguagem:
"La religiones de Orfeo y Dionisios, como más tarde las religiones proletarias del fin del mundo antiguo, muestran com claridad el tránsito de una sociedad cerrada a outra abierta. La conciencia de la culpa, de la soledad y de la expiación, juegan en ellas el mismo doble papel que en la vida individual"38.
A perda do paraíso significa o encontro com a solidão, que fomos expulsos do centro do mundo. Perdemos nossa identidade com o tempo e passamos a ser seus prisioneiros. A construção da representação de tempo é fundamental para a cultura, como lembra Lúcia Fabrini de Almeida: "A sociedade se realimenta na imagem do tempo: momentânea supressão das contradições, fugaz reconciliação dos opostos, contínuo verter, tempo vivo"39. O tempo mítico difere do tempo cronométrico, não tem datas. Apesar de haver racionalizado os mitos, o homem moderno não conseguiu eliminá-los, mas disfarçá-los em utopias. Imagina novas idades de ouro sob o signo da secularização, mantendo os arquétipos, os anseios de redenção. O mito não morreu. A sociedade está moribunda, por isso que busca a redenção, a criação, a fertilidade. Octavio Paz finaliza fazendo uma bela reflexão ou profecia sobre o destino da sociedade:
"El hombre moderno tiene la pretensión de pensar despierto. Pero este despierto pensamiento nos ha llevado por los corredores de una sinuosa pesadilla, en donde lo espejos de la razón multiplican la cámaras de tortura. Al salir, acaso, descubriremos que habíamos soñado com los ojos abiertos y que los sueños de la razón son atroces. Quizá, entonces, empezamos a soñar outra vez com los ojos cerrados"40.
Anos mais tarde, numa conferência pronunciada na Universidade do Texas, no dia 30 de outubro de 1969, Octavio Paz retoma o tema da sua reflexão em El Laberinto. Resolve ampliar a conferência e publica Posdata, na esteira dos acontecimentos políticos que surpreenderam e abalaram o mundo em 1968 e que também se fizeram presentes na sociedade mexicana. As duas reflexões partiram de contextos diferentes, mas preservam uma identidade, uma via de interpretação para decifrar os enigmas da modernidade e da história do México. Paz ressalta a relação da mexicanidade com as outras culturas, do particular com o universal: "La diversidad de caracteres, temperamentos, historias, civilizaciones, hace del hombre: los hombres; y el plural se resuelve, se disuelve, en un singular; yo, tú, él, desvanecidos apenas pronunciados". Os fundamentos da análise de Paz não mudam: a dialética, a multiplicidade de tempos, uma linguagem metafórica. Os temas da reconciliação e da identidade, do mito e da história, atravessam sua reflexão. Há traços marcantes de uma possível natureza humana que Paz retoma com insistência: "Pero mientras vivimos no podemos escapar ni de las máscaras ni de los nombres y pronombres: somos inseparables de nuestras ficciones: nuestras facciones. Estamos condenados a inventarmos una máscara y, después, a descubrir que esa máscara es nuestro verdadero rostro"41.
O México apresenta-se como um fragmento de uma história mais ampla e, como as outras nações latino-americanas, entrou pela porta traseira do Ocidente, como um intruso que chegou
"a la función de la modernidad cuando las luces está a punto de apagarse-llegamos tarde a todas partes, nacimos cuando ya era tarde en la historia, tampoco tenemos un pasado o, si lo tenemos, hemos escupido sus restos, nuetros pueblos se echaron a dormir durante un siglo y mientras dormíam lo robaron yahora andam en andrajos, no logramos conservar ni siquiera lo que los españoles dejaron al irse, nos hemos apuñalado entre nosotros".42
A pergunta sobre a identidade mexicana está, segundo Paz, ligada à questão do desenvolvimento, mas é também inseparável da pergunta sobre o futuro da América Latina e das suas relações com os Estados Unidos. Vive-se um momento histórico crítico que estreita laços e, ao mesmo tempo, exige crítica a certos fundamentos da modernidade. Faltam espelhos para se mirar.
O ano de 1968 teve um encanto especial. Parecia um momento de reinventar utopias, de mostrar as lacunas de uma sociedade absorvida por um tecnicismo que valoriza as conquistas materiais, de desmitificar a famosa "ideologia" do progresso. Os protestos de 1968 traziam novas leituras do mundo. Segundo Paz, "La irrupción, en centro de la vida contemporánea, de la palabra maldita placer...La definición del hombre como un ser que trabaja debe cambiarse por la del hombre como un ser que desea". Fazia-se uma crítica ao utilitarismo da sociedade moderna. O movimento foi duramente reprimido, em alguns países com muita violência. No México, trezentos e cinquenta e duas pessoas morreram nas manifestações na Plaza de Tlatelolco. Octavio Paz resolveu, devido aos acontecimentos, desligar-se do corpo diplomático mexicano, mostrando sua discordância pública com a atitude do governo e fazendo uma análise sombria dos caminhos políticos percorridos pelo México: "Depués de haber destruido la dictadura de Porfirio Díaz, el país parecía condenado a repetir outra vez (y para siempre) el ciclo monótono y sangriento de la dictadura a la anarquía y de la anarquía a la dictadura". O México parece fadado a repetir seu passado, por não conseguir traduzi-lo, compreendendo seus mitos e desfazendo-se dos seus pesadelos.43
Apesar de tudo, a eliminação dos caudilhos militares abriu espaço para uma experiência diferente, com a fundação do Partido Nacional Revolucionário (1929), o qual mudou o nome para Partido da Revolução Mexicana, em 1938, e para Partido Revolucionario Institucional, em 1946. Mesmo sendo uma experiência autoritária, não chegava a ser nem suicida, nem autodestrutiva. Na análise de Octavio Paz, "Los tres nombres del Partido reflejan os tres momentos del México moderno: la creación de nuevo Estado, la reforma social y el desarrollo económico", ações que partiram dos dirigentes partidários, dos seus interesses e da sua consolidação como grupo de poder. Há um monopólio político do PRI que se arrasta por décadas e que não conseguiu livrar o México das garras do imperialismo econômico dos Estados Unidos, perpetuando um projeto de modernização que não mexe nas desigualdades sociais. Paz vê a situação do mundo com pessimismo, diante do autoritarismo presente, inclusive as experiências feitas em nome do marxismo. Arrisca-se a esboçar uma utopia: "Una sociedad plural, sin mayorías ni minorías: en mi utopía política no todos somos felices pero, al menos, todos somos responsables. Sobre todo y ante todo: debemos concebir modelos de desarrollo viables y menos inhumanos, costosos e insensatos que los actuales". Acrescenta que o valor supremo não é futuro, mas o presente, pois "El futuro no es el tiempo del amor: lo que el hombre quiere de verdad, lo quiere ahora. Aquel que construye la casa de la felicidad futura edifica el cárcel del presente".44
É no último capítulo do livro, "Crítica de la Pirâmide", que Paz coloca suas reflexões centrais sobre a história da modernidade mexicana, usando mais uma vez o jogo da dialética e dos contrapontos. Existem para ele dois Méxicos que revelam uma relação de poder. O moderno se sobrepõe ao antigo, o desenvolvido ao subdesenvolvido: "La porción desarrollada de México impone su modelo de la outra mitad, sin advertir que esse modelo no corresponde a nuestra verdadera realidad histórica, psíquica y cultural sino que es una mera copia (y copia degradada) del arquetipo norteamericano". Não se trata apenas da inautenticidade, mas do culto a modelo de desenvolvimento que despreza a alteridade e exalta a acumulação de riquezas materiais. O México autêntico fica submerso, não pode ser pensado numa perspectiva dos valores capitalistas, escapa às noções tão presentes nos discursos da modernização. O que Paz chama de o outro México, "es un complejo de actitudes y estructuras inconscientes que, lejos de ser supervivencias de un mundo extinto, son pervivencias constitutivas de nuestra cultura contemporanea". Paz recorre a conceitos trabalhados por Freud, Marx, Dumézil para discutir a existência dessas máscaras que cada cultura possui que "sostiene un diálogo com un interlocutor invisible que es, simultáneamente, él mismo y el outro, su doble". Há um presente oculto, reprimido que é, na verdade; um passado que permanece, como um perpétuo presente em rotação. São os elementos invariáveis da história ou aqueles com variações lentas, quase imperceptíveis.45
Paz não usa o conceito de mentalidade, nem tampouco trava um diálogo direto com a Escola dos Annales e seus herdeiros, mas fornece digressões interessantes para se caminhar por esse território da discussão sobre a história enquanto interpretação das experiências culturais e simbólicas. Paz não visualiza, nessas suas afirmações, a existência de uma autonomia de realidades isoladas que não se relacionam. Diz ele que "es engañoso hablar de elementos y de invariantes como si se tratase de realidades aisladas y com vida propia: aparecen siempre en relación unos com otros y no se definen como elementos sino como partes combinatorias". Na sua combinação, há uma forma de produção da história que sustenta a unidade da espécie humana e a universalidade da história, com cada cultura construindo seu modo de associação ou ritmo próprio. Há uma contradição que se perpetua, segundo Paz, "cada vez que firmamos una parte de nosostros mismos, negamos outra", portanto, "Lo que ocurrió el 2 de octubre de 1968 fue, simultámeamente, la negación de aquello que hemos querido ser desde la Revolución y la afirmación de aquello que somos desde de la Conquista y aún antes". O dois de outubro incorpora a dupla realidade: ser fato histórico e, ao mesmo tempo, ser uma representação simbólica de uma história subterrânea o invisível. Paz elabora uma leitura que pretende arrancar as máscaras que escondem as verdadeiras faces do México, mas a chamada história visível não pode ser compreendida sem a história invisível. A interpretação é uma possibilidade de revelação, como afirma Paz, a tradução de uma tradução, pois nunca chegaremos ao texto original.46
A tradução que Octavio Paz faz do dois de outubro não é definitiva, não pretende esgotar as significações do acontecimento. Toda leitura da história estaria condicionada pela inserção de quem a lê, do seu lugar na cartografia da sociedade em que vive, da sua compreensão dos limites do seu tempo, de seus conformismo e inconformismos, dos desenhos que consegue distinguir nas paredes do seu labirinto. A leitura feita por Paz é, basicamente, simbólica, analógica.
Cada tierra es una sociedad: un mundo y una visión del mundo y del trasmundo. Cada historia es una geografía y cada geografía una geometría de símbolos: India es un cono invertido, un árbol cuyas raíces se hunden en el cielo; China es un imenso disco-vientre, ombligo y sexo del cosmos-; México se levanta entre dos mares como una enorme pirámide trunca: sus quatro costados son los cuatro puntos cardinales, sus escaleras son los climas de todas las zonas, su alta meseta es la casa del sol y de la casa del sol y de las constelaciones".47
Paz escolhe a imagem da pirâmide como uma projeção da sociedade mexicana, de uma história de perdas e violências que permanecem desde antes da chegada dos colonizadores espanhóis. Sua leitura é reveladora. Desnuda interpretações consagradas sobre os astecas, mostra o autoritarismo simbolizado na arquitetura da pirâmide, com sua plataforma situada no vale de Anáhuac, em cujo centro se localiza a cidade do México, sede do poder dos astecas e capital da república. Há uma permanência que Paz julga importante para decifrar os enigmas: "Haber llamado al país entero com el nombre de la ciudad de sus opresores es una de las claves de la historia de México, la historia no escrita y nunca dicha".48
Paz vê uma secreta continuidade política na história do México que vem arrastando-se desde século XIV. Traduzir o seu significado é buscar seu fundamento inconsciente, sua história invisível. Para ele, esse fundamento é "o arquétipo religioso-político de los antiguos mexicanos: la pirámide, sus implacables jerarquías y, en alto, el jerarca y la plataforma del sacrificio". Esse fundamento permanece, apesar de todas as mudanças na história visível, e com ele a violência que marca as relações de poder desde os astecas. É preciso, portanto, compreender o que significou a visão asteca de mundo, para poder se livrar de suas cargas negativas. Paz mostra de que maneira a tradição asteca se instalou e se perpetuou, analisando a sua dupla história. A modernidade não rompeu essa herança, que se constitui num obstáculo para a modernidade se efetivar. Os episódios da história mexicana fazem reviver esse fantasma. Nesse sentido, o que aconteceu na praça de Tlatelolco, com o massacre dos estudantes, não foi diferente de tantos outros episódios. Repetem-se os sacrifícios. Paz traduz também os símbolos, mostra a relação viva entre passado e presente. Propõe uma saída: a crítica. A crítica é a grande aliada da imaginação: "La crítica es el aprendizaje de la imaginación en su segunda vuelta, la imaginación curada de fantasía y decidida a afrontar la realidad del mundo".49 A ruptura com esse passado passa pela dissolução dos ídolos; sem isso, a possibilidade da reconciliação se distancia, como também a perspectiva de o antigo e o moderno conviverem. É preciso destruir a pirâmide, para entrar no labirinto. O exercício constante da crítica representa uma das construções mais inquietantes da modernidade, talvez a trilha para se poder sair do labirinto. Mas a modernidade parece, segundo Paz, não conseguir dar conta das questões atuais: "Asistimos al crepúsculo de la religión del futuro, sol del progreso. Vivimos el fin de la modernidad y el comienzo de otro tiempo"50.
No Posdata, Paz revela, com clareza, toda uma concepção de história que expressa uma continuidade com relação às análises de El Laberinto de la Soledad. São obras que se completam e que evidenciam uma unidade maior da produção de Octavio Paz. A sua consistência não é negada pela sua estética, pela sua preocupação com a forma, pela sua intimidade com a metáfora. Jorge Mora afirma que, na obra de Paz, "no hay ningún sistema construido, no hay ninguna elaboración: hay negación de la historia, hay intentos de gramaticalizarla, hay descripciones constantes de la otredad, del mito, de la analogía, porque en el fondo siempre he creído que no es necesario demostrar nada"51. É uma análise que perde de vista a singularidade da visão de mundo de Paz: relacionar uma compreensão da história com uma dimensão poética do mundo. O poeta não decifra o mundo com códigos positivistas ou metodologias lineares e preocupadas com a demonstração cartesiana. Dele não se deve cobrar sistemas acabados, mas uma capacidade de dialogar com o invisível, de formular a (im)possibilidade da transcendência e as angústias das incertezas. Como afirma Octavio Paz, "Talvez la historia no tiene ni finalidades ni fin. El sentido de la historia somos nosotros, que la hacemos y que al hacerla, nos deshacemos. La historia y sus sentidos terminarán cuando el hombre se acabe"52.
 
NOTAS
1 CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo, Cia. das Letras, 1990, p. 79.         [ Links ]
2 GONZALEZ, Javier. El Cuerpo y la Letra: la cosmología poética de Octavio Paz. México, Fondo de Cultura Económica, 1990, p. 10.         [ Links ]
3 Apud SCHÄRER-NUSSEBERGER, Maya. Octavio Paz: trayectorias y visiones. México, Fondo de Cultura Económica, 1989, p. 14.         [ Links ]
4 PAZ, Octavio. Itinerario, México, Fondo de Cultura Económica,1993, pp.30-31.         [ Links ]
5 PEREZ, Alícia C.. "Acercamiento de la obra de Octavio Paz". In Cuadernos Americanos 70, Año II. Volume IV. México, UNAM, 1998,. p. 39.         [ Links ]
6 PAZ, Octavio. "Los Hijos del Limo. In La Casa de la Presencia (poesia e historia). Obras Completas (I). 2a ed. México, Fondo de Cultura Económica, 1994, p.333.         [ Links ]
7 Idem, pp.333-334.
8 MORA, Jorge Aguilar. La Divina Pareja: historia e mito en Octavio Paz. México, Ediciones Era, 1991, p. 39 e 52.         [ Links ]
9 Idem, p.52
10 ALMEIDA, Lúcia F.. Tempo e Otredad nos Ensaios de Octavio Paz. São Paulo. Annablume,1997, p. 21,         [ Links ]
11 Idem, p. 399.
12 FOUCAULT. Michel. A Microfísica do Poder. Organização e tradução Roberto Machado, 2a edição, Rio de Janeiro, Graal, 1981, p.5.         [ Links ]
13 PAZ, Octavio. El Arco y La Lira. In La Casa de la Presencia ( poesia e historia ). Obras Completas ( I ).2a edición México. Fondo de Cultua Económica.1994., p. 17.         [ Links ]
14 ELIADE, Mircea, Mito e Realidade. Tradução Pola Civelli. 5a edição São Paulo, Perspectiva, p.126.         [ Links ]
15 Idem, p.385
16 MORA, J.A. op. cit, p.42.
17 EUFRACIO, P. " Imagem y arquetipo en los ensayos de Octavio Paz". In: Cuadernos Americanos, 70, México, 1998, p.60 e 61.         [ Links ]
18 PÉREZ, Alícia C.. Op. cit., p. 53.
19 CASTAÑON, Adolfo: " Octavio Paz:Fragmentos de un Itinerario Luminoso" In Cuadernos Americanos 70, México. 1998. p.29         [ Links ]
20 FREUD, Sigmund.El Malestar en La Cultura. Tradução Luis López B. y de Torres. Madrid, Alianza, Editorial,1986, p.15.         [ Links ]
21 SANTI. Enrico Mario. Op. cit., 182.
22 PAZ, Octavio. Itinerário. Op., cit., p.232.
23 ALMEIDA, Lúcia F.. Op., cit., p. 82.
24 PAZ, Octavio. El Labirinto de la Soledad. Op. cit., p.22, 29.
25 Idem, pp. 65 e 85.
26 Idem, p.91-92.
27 Idem, p.94, 108 e 109.
28 Idem, p.119 e 124.
29 Idem, p.129, 133-134.
30 Idem, p.136 e 138
31 Idem, p.143 e 147.
32 Idem, p.150.
33 Idem, p.152, 154-155.
34 Idem, p.154.
35 Idem, p.175, 176 e 177.
36 Idem, p.182.
37 PAZ, Octavio. La Llama doble Amor y Erotismo. In Ideas y Costumbres II. (Usos y Símbolos). Obras Completas ( X ), 2a edición. México, Fondo de Cultura Económica, 1996, p.352.         [ Links ]
38 PAZ, Octavio. El Laberinto de la Soledad. Op. cit. p. 187.
39 ALMEIDA, Lúcia F.. Op. cit. p.p. 21-22.
40 PAZ, Octavio. El Laberinto de la Soledad. Op. cit. p. 191.
41 PAZ, Octavio. Posdata. 24ª ed., México, Siglo Vientiuno, 1991, p.11.         [ Links ]
42 Idem, p.13-14.
43 Idem, p.27, 46-47.
44 Idem, p.101e 49.
45 Idem, p.107-108, 109, 110-111.
46 Idem, p.112 e 113.
47 Idem, p.116 e 117.
48Idem, p.122.
49Idem, p.123.
50 PAZ, Octavio; Itinerario, Op. cit., p.159.
51 MORA, Jorge Aguilar. Op. cit. 224.
52 PAZ, Octavio; Itinerario, Op. cit., p.21.
 
Artigo recebido em 11/1999. Aprovado em 05/2000.
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