sábado, 7 de setembro de 2013

Guido Anselmi e o gesto criativo complexo



Em "Oito e Meio", filme que completa agora 50 anos, o cineasta Federico Fellini traz o mundo onírico que anotava em seus álbuns ao primeiro plano, ao tentar explicar as motivações do protagonista, o cineasta Guido, naquilo, em suma, que o crítico italiano Ennio Bispuri qualificou, no livro "Interpretare Fellini", como "o sonho de onipotência de um fracassado.

Não se sabe ao certo se os registros imagéticos do "Livro dos Sonhos" -obra ainda a ser devidamente estudada- têm relação direta com a criação de "Oito e Meio". Vale observar, no entanto, que há uma camada onírica essencial no enredo do filme.... 
O cineasta italiano nos traz o mundo onírico que anotava em seus álbuns ao primeiro plano, ao tentar explicar as motivações do protagonista, o cineasta Guido, naquilo, em suma, que o crítico italiano Ennio Bispuri qualificou, no livro "Interpretare Fellini", como "o sonho de onipotência de um fracassado.

Guido
Guido Anselmi (interpretado por Marcello Mastroianni, ator-fetiche de Fellini) é um cineasta que, prestes a começar seu próximo trabalho, não tem ideia de que filme fazer.

A crise criativa mergulha o personagem em sonhos assombrados pela família, recordações da infância e mulheres que marcaram sua vida.

A arquitetura visual arrebatadora circula pelo inconsciente de Guido, mas também avança pela memória decodificada do personagem e pelo tempo presente.



Em "8 1/2 de Fellini - O Menino Perdido e a Indústria", publicado no livro "A Sereia e o Desconfiado - Ensaios Críticos", o crítico Roberto Schwarz vê na estrutura atemporal do filme o sinal e, por conseguinte, o caminho para o mergulho simbólico na "alma" do protagonista.
O crítico adverte, todavia, ser um artifício enganoso o espelhamento que costumeiramente se faz entre Fellini e Guido -identificação "autorizada pelos colunistas de mexerico, pelo próprio diretor, talvez, mas não pelo filme".
 

"Se Fellini é Guido", escreve Schwarz, "os conflitos deste campeiam idênticos no peito daquele, que seria o bobo de suas próprias limitações, um pequeno-burguês nostálgico e fantasioso, incapaz de fazer qualquer coisa que preste".

A potência subjetiva de "Oito e Meio" é reveladora de um gesto maior, que vai além da psicologia do diretor e que avança pelo campo do imaginário na criação artística, como um tratado poético em forma de imagens, cujo pensamento, vivo e pulsante, alcança densidade poética inigualável.

É como se o filme e o gesto de pensá-lo criassem, em película, a experiência de uma aventura em que o mundo da memória e dos sonhos se manifesta por meio de imagens "significantes".

No ensaio "O Salto Mortal de Fellini", publicado no livro "Exercícios de Leitura", a crítica Gilda de Mello e Souza avalia que o filme se inscreve na linha de vanguarda da narrativa contemporânea.

Segundo a ensaísta, apesar de dúvidas e indecisões, avanços e recuos, "foi para a aventura de saltar da torre no espaço vertiginoso da arte que Guido se preparou longamente. O filme de Fellini é a fenomenologia deste gesto frágil e arriscado".

De onde vêm, contudo, essa fragilidade e esse risco? Talvez da própria tentativa de construção imagético-discursiva do "cinema de poesia" em Fellini.

"Cinema de poesia", tal como pensado e analisado pelo cineasta e crítico italiano Pier Paolo Pasolini no ensaio de mesmo nome, é um termo que se relaciona ao uso da "subjetiva indireta livre", meio narrativo, derivado do discurso indireto livre da literatura, em que o autor manifesta suas ideias, seus sentimentos e suas perspectivas de mundo por meio da psicologia dos personagens e da poética inerente ao discurso cinematográfico.

A existência contraditória de Guido evidencia a experiência do impasse no filme como gesto criativo complexo.

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