domingo, 13 de outubro de 2013

ESTÁGIO DE TRÂNSITO (5)

Você não está ficando doida, Carmen! E isso não é o começo de mais um insuportável poema beat. Era de tarde, eu estava novamente deitado sozinho dentro do meu quartinho de empregado na pousada, olhando como que através de uma massa oval de tênue energia azulada translúcida estacionada entre o teto e os meus olhos. Rostos de pessoas conhecidas passam por ela e desaparecem, fragmentos de conversas deslizam por ela e logo tornam-se farrapos, passos de despedidas perdem-se nos ecos psíquicos da superfície azulada como num imóvel lago de éter flutuante.O rosto de anjo barroco de Carmen agora é como uma Monalisa adaptada numa moldura azul. Aos poucos, a imagem vai ganhando movimento, sopros de vida, á medida que uma multidão de mínimos detalhes se aglutinam em cada centímetro cúbico do quarto mergulhado na escuridão. Ela falava de uma gente estranha, numa época estranha, numa cidade estranha. Agora eu estava prestando bastante atenção em tudo, enquanto que ela, entornando seu café no chão ao lado de um namorado, NÃO. Na praia, eu não me lembro bem: ela deitou no colchão de ar e ficou olhando diretamente para o sol, até os olhos lacrimejarem. E continuou olhando, até inflamarem? Foi preciso tira-la da bóia à força? Ela ria histericamente, com os olhos cheios d´água. Cega, de mãos dadas com uma amiga. Sua língua embaixo era doce e macia. De noite, na sede da fazenda. Sua família reunida na sala, assistindo à novela das oito. Ela gritava SOCOOORROOO no seu quarto, imaginando cobras verdes em volta da cama. Mas a criada estava acordada na cama ao lado, acendendo e apagando a luz de acordo com a a vontade dela. Puro exercíco de loucura controlada tolteca. Eu não estava na mesa da cozinha? Não mas estava lendo seus pensamentos e percebendo tudo? Ela queria conversar. Não queria? Ela também escrevia poemas só para falar que era perda de tempo! Que devia queimar todos os seus poemas numa fogueira! E se atirar na fogueira logo depois, como auto-sugeriu: com uma maçã na boca! Eu estava ao seu lado naquele carro que voava na estrada entre Ilhéus e Porto Seguro, quando você disse, baixinho (para as outras garotas não ouvirem), mirando-se no reflexo do vidro: EU PAREÇO UM RATO. Não, claro que não... Mas me diga uma coisa que eu quero saber: nos dias que você berra e troca tapas com os parentes mais próximos, o que você sente realmente? Porque você não conversa com eles sobre as suas visões.... mas quem sou eu para te repreender, nunca tentei fazer nada parecido com ninguém. Os câmbios de luz e som não são propriamente fenômenos que sucedem fora de nós, apenas mudanças na percepção. Quando estamos entrando em outros estados vemos esses câmbios de luzes e se ouvem diferentes sons e zumbidos. É isso que você deve ter em mente, para não ficar perdendo a sobriedade toda hora. Por exemplo, quando vamos entrando em estado de ensoño, se o faço conscientemente desde o estado de vigília, passarei por diversos estados ou estratificações onde ouço –zumbidos, campainhas, o vento sibilando, pisar de folhas secas, algo como corrente elétrica. E também a percepção da luz é diferente. Mas não está acontecendo nada, você simplesmente está mudando de estado. É o que Don Juan chamava de cambiar la velocidad. Normalmente, a maioria de nós não é consciente desses câmbios; mas se os estais percebendo, podes usar isso para fazer uma marca na sua sensibilidade e reproduzir esses câmbios á vontade. ''A esfera de energia azulada translúcida é um bicho – um inorgânico'', foi Don Francisco Plata quem me explicou isso.... Há de muitos tipos, formas, tamanhos, cores e alguns se aproximam de nós por curiosidade, principalmente quando estamos numa outra velocidade. Em geral, não são perigosos, mas há alguns que podem dar dor de cabeça, como os morados. Se te tocan fazem com que você se enamore ou que ele se transforme em um aliado e um aliado é uma força psíquica que você maneja ou maneja a si mesmo para entrar em contato com ele ajustando sua velocidade com a dele. Não é livre de consequencias sociais e psicológicas a posse de um aliado, eles são ciumentos e possessivos. Quanto a esfera azulada, a primeira impressão que tive foi justamente essa, de que era um aliado, mas procurei mudar minha impressão ou não mais me ocupar racionalmente do assunto, temendo ficar louco naquele quarto da currutela. A primeira vez que tomei o líquido daquela garrafinha que Seu Adamastor me deu foi exatamente como ele tinha me advertido: o Daime tem o mesmo gosto de um suco de laranja esquecido na geladeira há meses.. o desdobramento começou logo depois que eu deitei as costas na cama, era de madrugada e só se ouviam os zumbidos incessantes de insetos do lado de fora do alojamento. Figuras geométricas imateriais começaram a flutuar sobre minha cabeça enterrada no travesseiro, enchendo o ar entre meus olhos e o teto.. se tatuavam e escorriam pelas paredes como que derretendo, essas imagens eram douradas e eu só podia ve-las por alguns segundos, percebendo ao fundo uma rede de geometria inorgânica ainda mais intrincada e distante... parecia que meus pensamentos viajavam na velocidade da luz e na periferia da minha visão era como se tivesse algo como colunas de um fogo energético inter-dimensional dançando como chamas de velas ao vento ao mesmo tempo que conectavam todas as dimensões daquele hiper-espaço num ponto central diante dos meus olhos que brilhava como um magneto no escuro. Tive a sensação de voar através de um tapete fractal, um plano encurvado em si mesmo contra uma vista povoada por horizontes infinitos superpostos. Tenho absoluta certeza de que esse reino extra-sensorial que eu havia sintonizado estava composto de dados, equações cósmicas, harmonias tântricas e pela trama auto-sustentável de uma consciência super-dimensional. Era ficção-científica feita realidade, uma dimensão sem necessidades naturais e sem os imprecisos sitemas simbólicos da nossa linguagem humana. O Planeta-Daime estava entupido de fantasias de realidade virtual e auréolas de vitrais líquidos até a boca: uma Disneylândia da décima dimensão projetada intangivelmente. Não havia um único lugar onde aquela enorme força super-consciente não me alcançasse, sentia o tempo todo a certeza de que era impossível que minha mente estivesse criando o que eu estava vendo, não se tratava absolutamente de uma projeção mental de imagens psíquicas que o Daime tivesse liberado em mim. Era simplesmente uma realidade não-humana existindo mais além do mundo físico. E foi de dentro dela que o inorgânico azul apareceu pousado sobre meu rosto, noite após noite, com ou sem Daime, ele sempre estava ali agora, como que á minha espera, á minha disposição.. depois de alguns dias incomunicável com o mundo do lado de fora do alojamento da currutela, eu sentia que já não podia mais viver sem o inorganico. Ele tinha virado o meu aliado. A questão do aliado é muito precisa, depois que voltei para minha cidade é que senti o drama da sua inseparável companhia e dependência... ele me acompanhava para onde quer que eu fosse, sem que eu fizesse a menor idéia de como se dava seu deslocamento.. entrava em um quarto escuro qualquer, e logo ele estava lá, pousado sobre meu rosto, esperando a sua cota-parte na minha atenção como um perfeito coletor de impostos.. na época toda minha sessão de meditação passava como que por dentro da esfera azulada, ele me mostrava tudo que eu quisesse: pensava em uma pessoa qualquer e numa fração de segundos já sabia tudo sobre ela. É um fato mas ao mesmo tempo comecei a perceber que me levantava completamente exausto da interação com o inorgâncio. Quanto ao ‘’cambio de velocidad’’ está perfeito.‘’ ''los puedes usar para hacer una marca en tu sensibilidad para reproducirlos a voluntad''... Creio haver atravessado o inorgânico azul inumeráveis vezes, acreditando ser ele algo assim como um ‘’ponto de projeção’’ da consciência ‘cambiada’. Quanto á sua última pergunta na apresentação, - que acontece se ‘’cambiarmos’’ para uma velocidade muito acelerada, muito concentrada? Os câmbios continuam se sucedendo.. Há algo mais que esperar, ou cuidados, perigos –que espreitam adiante? Você pode utilizar outros meios. Se vê o sol ao amanhecer, automaticamente logra o silencio interno. Uma vez que você aprende a entrar no silencio interno, não necessita ficar sentado durante horas. Aprende a fazer isso sempre que tenha condição. Vá pela rua ou de ônibus pela cidade, deixa que teus sentidos trabalhem ao máximo; ouve, vê, sente e deixe que tudo flua sem pensar. Então você entra no silencio e ao mesmo tempo é consciente do seu entorno. Então você começa a ver. É noite. Carmen está recolhida em sua barraca, num camping numa praia que não consigo identificar, saboreando ao máximo sua solidão. Acende um cigarro e permanece imóvel. O olhar obscuro e alucinado na mandala tibetana a seus pés. Qualquer movimento do ponto de aglutinação requer energia. Quanto mais profunda é a experiência, mais energia. Daí nos sentirmos cansados ou, inclusive, com problemas de saúde. Daí termos que vigiar nosso equilíbrio de saúde para podermos ter estas experiências sem problemas. Claro que quando acaba a energia, voltamos ao nosso estado normal. Ver em profundidade é um estado no qual o ponto de aglutinação se movimenta muito profundamente no corpo. Isso nos permite ver a energia claramente e ao mesmo tempo saber quando vemos. A experiência de entrar na luz é muito bonita- avassalaradora –mas não ganhas muito com isso. Os religiosos a tem em altíssima conta – iluminação -, mas para os xamãs isso apenas indica que estás alcançando novos estados. O ver é diferente para cada pessoa. Alguns vêem melhor no escuro, outros a luz do dia. É uma questão pessoal. Carmen agora vive carregando-se e descarregando-se como uma escopeta, de decisão em decisão, sempre na base daquela sua alquimia que é o que em ultima instancia permite que ela seja e se sinta internamente como seu próprio suporte ou veículo, ela cavou um ótimo espaço de silencio interno dentro de si mesma e agora pode deslizar pela segunda atenção com a desenvoltura de uma surfista da própria psique, em sua rota de aproximação ao Centro. Agora, um acidente de carro. Um corola prateado derrapou na pista de frente para ela. Quem dirigia ao lado dela era um rapaz que sobreviveu com graves lesões e no banco de trás duas amigas estão muito assustadas. A posição dos carros não me deixa ver bem como foi o derrapamento. Luzes agitadas no asfalto e polícia rodoviária. As pessoas decentes dizem que não se deve fugir, que não é bom, que é ineficaz; e que é preciso trabalhar por reformas. Mas o iniciado sabe que a fuga é revolucionária, withdrawalk, freaks, com a condição de não jogar a toalha ou fazer escapar um pedaço do sistema para dentro de outro nível de consciência: essas são as bases do enfrentamento social que precede o corredor da loucura. George Jackson: "Pode ser que eu fuja, mas ao longo da minha fuga eu procuro uma arma!". Pode ser que eu fuja, mas ao longo da minha fuga eu procuro um aliado! A linha de fuga é o próprio cambio. O corredor de signos não cauterizados pela razão; o informe, o intratável e intangível (O QUANTICO), e o paragramático de uma massa verbal não-codificada que jorra em vomito com humor-negro e tantrismo mental autodidata, (ao fim e ao cabo) Depois que aprendeu a rir de si mesmo nada mais importa ao iniciado. O humor-negro se encarrega, não de resolver suas contradições sociais, mas de dizer que não existam, OU QUE JAMAIS TENHAM EXISTIDO. Muito em função disso a maioria dos iniciados são criaturas temidas e odiadas, sobretudo pelas pessoas do seu passado. O essencial é o estabelecimento de uma superfície mágica de REGISTRO y INSCRIÇÃO que, aconteça o que acontecer, faz com que tudo, detonado a partir do iniciado, venha a dar no mesmo: perseguições, difamações, tentativas de agressão física, nessa altura o aliado já está com você e é inútil as pessoas tentarem te fazer mal, você só não deve esperar nenhum tipo de reconhecimento ou compreensão, apegue-se á superfície deslizante de permutações possíveis cujas diferenças vêm sempre a dar no mesmo, pois obviamente isso está associado à perda da forma humana que a posse do aliado proporciona, o que apresenta entre os seus sinais a aparição de um grande olho interno diante da consciência. A retirada ao deserto da incompreensibilidade social é menos simbólica, menos discursiva ou imaterial do que parece quando o iniciado alcança ''perder a forma humana'' e está sustentada em uma convicção ominiabarcante, uma fé inabalável na capacidade de ''cambiar de velocidad' quando bem entender, de acordo com a própria vontade. Essa função é um novo órgão dentro dele que alimenta sua profissão de fé extra-sensorial, que deve ser incansavelmente desenvolvida para continuar tendo razão de ser. Que sopa, a família dentro do contexto iniciático, agitada por redemoinhos de ciúmes, inveja e ódio, levada numa ou noutra direção, de tal modo que o bacilo edipiano pega ou não pega, impõe seu molde ou não consegue impo-lo, segundo as direções de uma natureza totalmente diferente que atravessam o iniciado do exterior (...) enquanto o investimento iniciático na transcendência comanda uma determinação totalmente diversa da família, ofegante, esquartejada e probatória segundo as dimensões de um campo-social que não se fecha nem se rebate, :família-motriz para objetos parciais despedaçados, que mergulham e remergulham nos fluxos torrenciais ou rarefeitos de um cosmo histórico, DE UM CAOS HISTÓRICO (na linguagem e na escrita poética, o caderno de navegação ocultista com as anotações de Carmen são exatamente as letras como cortes, objetos parciais despersonalizados, ou as palavras como fluxos individidos, blocos indecomponíveis, ou corpo pleno de valor tonico constituem signos assignificantes que se entregam á ORDEM SOLAR de regeneração espiritual e física, produzindo logo na sequência o corpo pleno sem órgãos de Artaud ou corpo de energia dos iniciados: o quarto corpo da imortalidade citado em todas as tradições espirituais da história da humanidade); A fumaça esmaece em cinza as constelações remotas. O imediato perde pré-história e nome. O mundo é um par de ternas imprecisões: fenda matricial da iniciação, contra a castração paranóica e contra-iniciática da sociedade de consumo; e linha de fuga contra a ‘’linha limite’’.O perigo consiste em perder-se, em perder a sobriedade. Você pode estar ‘’cambiando’’ de estados e voltar ao cotidiano, mantendo assim um equilíbrio são. Por exemplo, podes entrar na luz. Percebe em cima da sua cabeça uma luz muito branca que inunda tudo. Tudo é paz e harmonia. Você se sente iluminado – está iluminado. Se te deixas levar pelas emoções, se sentirá santo. Talvez funde uma seita ou escreva a respeito e te nomeiem doutor da igreja. Afortudanamente tive mestres bondosos que se esquivaram de mim no momento adequado y me trouxeram de volta a sobriedade. Essa linha e fuga é atravessada por eixos e limiares, por latitudes, longitudes, por geodésicos, é atravessado por gradientes que marcam os devires e as passagens, as destinações daquele que ali se desenvolve. AQUI NADA É REPRESENTATIVO, MAS TUDO É VIDA E VIVIDO: No quarto, Carmen continua sentada na cama. Mas levanta-se, tira a roupa e vai até a janela. Súbito, ouve algo atrás de si. São vozes. Ela se vira, desesperada, para todos os lados. A porta bate violentamente. Ao que se segue um vento mórbido, que vai morrendo de leve contra as paredes da clínica psiquiátrica. O manuscrito deixado por Carmen ficou visível em cima da pia do banheiro, de modo que a doutora Gildete, algum tempo depois, foi até o banheiro buscar alguma coisa e não pôde evitar lê-lo. Durante a leitura, as sombrancelhas da doutora Gildete iam levantando no centro, por contração da musculatura da testa, como se a causticasse o fogo de um terrível presságio: Uma médica tem que ter geladeira - Deus vos salve filha de Deus pai Deus Vossa - Querida doutora Gildete como vai as dificuldades da vida presumo que dois pontos e uma circunferência descrevem em homenagem a seus pais por que tudo o que fizeres em meu nome todo dia todo dia todo dia Jesus Cristo sabonete -- Pai nosso que estais no céu assim como na estereoprazia - Procura esperança nossa salve a vós bradamos os degradados filhos de Eu e Nós suspiramos nesse vale de lágrimas - Nossa Senhora embora tenha muitos nomes é uma só: Nossa Senhora de Lourdes. - Nossa Senhora de Fátima. - Nossa Senhora de Guadalupe. - E por aí vai. - O Amor está em calamidade pública - Nossa Senhora todo dia eu vim a escrever coisas muito pessoais -Shampoo Jonshom - Queremos a vida, por exemplo, me lembrei de Jó -- Coelho coelho coelho coelho gosta de alface. Pensa simplesmente que devemos nos colocar no não-tempo, controla um pouco essa excitação poética em que os estados alterados de consciência te mergulham, pois elas não estão te fazendo muito bem no momento. Reunindo todo o disperso para considera-lo SIMULTANEAMENTE. Aqui a velha fórmula existencialista se mistura aos exercícios mais rentáveis de recapitulação, recordação de si e auto-hipnose. ‘’Não importa o que fizeram pra mim. Importa o que vou fazer com o que fizeram pra mim’’. Pensa que ninguém pode fazer mal a um guerreiro impecável, mas seja impecável nos seus atos por que essa é a única opção que um guerreiro tem. Evite pessoas desequilibradas e frustradas, elas são para-ráios de inorgânicos maléficos. Sêneca já dizia que nenhum espetáculo é mais agradável aos deuses que o do guerreiro impecável enfrentado pela adversidade; somente isso lhe permite conhecer sua propria força. E Seneca complementa: ''esses sao os homens de valor que é preciso enviar ás posições mais perigosas ou lhes encarregar das missões mais dificeis, enquanto os covardes e os débeis são deixados pra trás''. A pessoa suporta tudo e a todos em silêncio, sofrendo de forma contrita por sempre ligar a isto a intenção do trabalho. Não há melhor método de iniciação do que este esforço. O arranjo de tais condições e a orquestração das pessoas no interior destas condições está para além da própria ciência. É uma arte dada apenas para aqueles que a necessitam para que possam melhor encarregar-se desta função. Neste intervalo, ele poderá aprender a dominar as energias internas que fazem o trabalho possível (...) . Fazer um sacrifício genuíno, é um estágio muito avançado. Você consegue entender isto? Lembre-se que uma real ferocidade de propósito ocorre no mundo interno e não numa demonstração de comportamento excêntrico ou flagelação dramática. É agora o momento de aprender as profundezas da ferocidade sem a demonstração ou o "show" Exterior de poder e de ruído. Muitos poucos indivíduos neste mundo irão apreciar os seus esforços e mesmo depois de anos de lutas você poderá não ser capaz de transmitir aquilo que aprendeu para outros, para seu benefício. Sua devoção, seus esforços e seus sacrifícios constantes e infatigáveis para o bem comum seguirão desapercebidos no Céu e na Terra. Você não deve realizar estas obrigações com a expectativa de recompensa ou de mérito. O Trabalho é a própria recompensa daqueles com consciência. No Trabalho uma pessoa recebe sua recompensa no momento em que se toma ação e está presente. A Humanidade não se importa com seus esforços e, de fato, não fará nada para ajudá-lo em desempenhá-los, mas, certamente, através da ignorância e medo, tentará destruí-lo e ao seu trabalho. Mesmo esta reação quando e se ocorrer, deve se transformar em alimento para o seu ser. Deve ser compreendida e aceita. Quando AGORA. Onde AGORA. Quem AGORA. Ir adiante. Chamar isso de ‘’ir’’. Chamar isso de ‘’adiante’’. Estar ALERTA. A potencial consideração simultânea, instalação no não-tempo e reunião de todo o material psicológico disperso através da recapitulação dos eventos da vida ou recordação de si, nesse ‘’MINUTO LIBERADO DO TEMPO de PROUST’’, procura definir-se como um trabalho muito mais profundo de alquimia e transmutação em cujo término a glória da Ressurreição está te esperando. As escolas de Quarto Caminho falam no ‘’estado de presença’’ como uma amostra do ‘’estado natural’’ que procuram recuperar ou manifestar toda via tradicional, como ficamos sabendo na obra de Renné Guenon e como nos conta Gurdjieff em uma de suas cartas ‘’A natureza do Estágio de Trânsito é tal que se pode permanecer desperto através da série de eventos para que possamos conscientemente escolher o caminho. Não é possível "cair acidentalmente" na Senda da Luta, como muitos desejam acreditar. Nosso hábito de cairmos dormindo e dar a responsabilidade pelo Self à psique – ou maquinaria automática de uma identidade falsa - deve ser vencida antes que venhamos a penetrar no Corredor da Loucura - o Estágio de Trânsito. De outra forma, a psique certamente irá se reagrupar - como consciência ordinária - de novo, e a pessoa estará destinada a viver novamente sua vida da velha maneira. Este ciclo de repetições não pode ser quebrado por esforço ordinário. À medida que a essência se desenvolve, ela "come" a psique pouco a pouco, assim como a gema de um ovo fecundado depende da albumina da clara. Assim a psique não é completamente destruída, mas sofre um gradual processo de transformação e superação. Seu domínio sobre a essência é quebrado e seu domínio sobre o organismo é terminado. Enquanto isto ocorre, a pessoa se aproxima da porta - marcada "desconhecido" e certamente, não somente desconhecida, mas de conhecimento impossível - que está à frente do Corredor da Loucura, através do qual a psique é completamente quebrada e absorvida. Ao final a essência emerge, renascida sem complexidades’’.O contato profundo com algo que parece estar por aqui há muito mais tempo que nós, nos definindo e dominando desde o Invisível. Saída do ESPAÇO-TEMPO e entrada no que James Joyce chamou de Mama Matrix Most Mysterious e Terrence Mkcenna de ‘’estado psicodélico’’. Apenas nesse estado seriamos realmente capazes de superar a crença de que existe uma separação entre o mundo exterior e o mundo interior e de entender que o vetor da transmutação alquímica é o corpo, a cabeça e o coração do experimentador, sem os quais não é possível ter acesso ao CACHORRO DE TRES CABEÇAS, A RAINHA SE DISSOLVENDO EM SUA BANHEIRA E O CASAL INCESTUOSO QUE COMBINA ALMA E -, para produzir a quintessência da panacéia da medicina universal. IONESCO escreveu que, com seu teatro, ele propõe antes de tudo DESOCIALIZAR –cfr DON JUAN em suas reiteradas prédicas nesse sentido a CASTANEDA – porque é, precisamente, ‘’a representação cotidiana’’ do homem –social que o torna uma criatura psicologicamente suscetível e destinada a MORRER COMO UM CACHORRO ou encerrar sua trajetória existencial como um VIEJO BABOSO. Um momento de quase ubiqüidade, uma experiência de TESTEMUNHO INCONTAMINADO, etc. porque isso é mais que um FATO ENERGÉTICO ou é o FATO ENERGÉTICO POR EXCELENCIA, que supra-ordena a todos os demais para recupera-los da cristalização no TONAL e reabsorve-los no NAGUAL. Poderia parafrasear as explicações de Goethe, Guenon e outros, mas vou ficar com a explicação do fraternauta anônimo de ‘’Plano Criativo’’ – ‘’penso que as sensações de de javu ocorrem quando identificamos padrões energéticos associados a uma situação ou experiência concreta. O mundo se move em padrões, nossas experiências estão embebidas dos mesmos padrões que se repetem uma e outra vez. As vezes, a consciencia percebe mais facilmente os padrões energeticos, como um barômetro interior que acusa ‘’algo’’ por trás de cada experiência. É como uma sensação de estar dormindo/sonhando acordado. E certamente é devido ao fato de que se saiu por alguns segundos da textura do espaço-tempo e se encontrou com as formas por trás das formas. Energia’’. A estratégia de BORRAR A HISTÓRIA PESSOAL e tudo o que ela implica é bem ilustrativo desse processo de dissolução das estruturas do ego dentro dos limites do mundo... existe algo parecido em Nisargadatta que consiste em indagar como a sociedade nos mantém enganados nos fazendo acreditar que já ‘’nascemos’’. E para terminar não poderíamos deixar de mencionar o nome de ANTONIN ARTAUD, que já havia usado a UPAYA que este guru deu a conhecer noventa anos antes dizendo que ele não havia nascido e que isso era tão certo como um bife com batatas fritas. Mencionei também Gurdjieff porque é o que mais se aproxima como antecedente para quebrar a ilusão de que a alma é um FATO PRÉVIO ou um DADO A PRIORI e de que carecemos de destino individual e alma sem o TRABALHO SOBRE NÓS MESMOS. Recordemos que Kierkegaard disse que ‘’o Tempo é o Pecado’’. Deter o TEMPO –a imagem móvel da Eternidade, segundo Platón – é parar o diálogo interno, ‘’parar o mundo’’... A parábola do cocheiro leva ao tema do condutor e do passageiro, análogo ao do ‘’dono da casa’’. Assim, a metáfora de que somos UM TAXI em que qualquer um ou qualquer coisa pode subir, de que estamos ocupados e usurpados chega até o poeta adolescente Arthur Rimbaud que secamente sentencia- ‘’EU É UM OUTRO’’. Afirmando o ‘’anagógico’’ –tudo está em si mesmo – e desde o imperativo délfico de CONHECE-TE A TI MESMO até Nisargadatta; passando por Jesus ‘’O PAI TEM A VIDA EM SI MESMO’’; patinando numa zona de complexidades mal destiladas –e isto vale para toda mensagem e toda tradição – enquanto a ESSENCIA MESMA luta bravamente para harmonizar os opostos e transmutar o sangue em espírito contra a ambiguidade anfibológica de todo engano e adormecimento. Áquela época eu também usava a velha upaya de Artaud ao construir ao meu redor uma carapaça de absurdos e etceterava contra todo discurso racional, contra toda mente foranea eu administrava uma disciplina letal. Assim eu me subtraía imprevisivelmente de todos os contextos da realidade e me protegia de contatos desagradáveis. Eu vejo tudo e ninguém me vê. Uma ilha do tonal realmente limpa se tornava uma ilha de programação e premonição na mão do buscador avançado ou iniciado. Isso realmente inclui vários métodos de manipulação e ‘’não cooperação’’; o anti-humanismo e o terrorismo poético talvez encontrem aqui tambem sua guarida. Detournement – palavra francesa que significa ‘’desvio’’, ‘’rapto’’ ou ‘’roubo’’ – era a maneira como Lautreamont –Isidore Ducasse, aquele do encontro entre um guarda-chuva e uma máquina de costura sobre uma mesa de cirurgia e da ‘’POESIA FEITA POR TODOS – chamava o método que empregava ao selecionar frases e expressões existentes, adicionando palavras e/ou suprimindo e substituindo por outras, a fim de modificar a idéia, fazer galhofa, ou homenagear o autor da sentença; Alfred Hitchcock, enquanto cineasta e escritor, possuía seu artifício particular, que batizou de ‘’Mac Guffin’’ – a pista-falsa , forjada para ludibriar personagens e o próprio espectador. Todo tipo de refúgio em si mesmo ou no mundo granular do conhecimento silencioso se encaixa nesta categoria enquanto repúdio dos deveres e obrigações sociais e liberação de um espaço-tempo ‘’granular’’ de imaginação ou intento. Aqui, ao contrario, O CORPO PLENO SEM ORGÃOS é produzido como ANTI-PRODUÇÃO (passagem do chamã através do seu olho interno de poder) seguindo o fio de pensamento legado a nós por DELEUZE E GUATARI ‘’COMO É QUE VOCES QUEREM QUE ELE SEJA PRODUZIDO POR ‘’PAIS, ELE QUE TESTEMUNHA SUA ANTI-PRODUÇÃO, SEU ENGENDERAMENTO A PARTIR DE SIS MESMO. É sobre ele, lá onde ele está, que o Numen se distribui e que as disjunções se estabelecem independentemente de toda projeção. Sim, eu fui meu pai e eu fui meu filho. ‘’Eu, Antonin Artaud, eu sou meu filho, meu pai, minha mãe, e eu’’. O iniciado dispõe de modos de marcação que lhe são próprios, porque dispõe primeiramente de um código de registro particular que não coincide com o código social, ou que só coincide para fazer sua PARÓDIA. O código iniciático, ou desejante, apresenta uma extraordinária fluidez. Poder-se-ia dizer que o iniciado passa de um código ao outro, que EMBARALHA TODOS OS CÓDIGOS, num deslizamento rápido, não dando nunca a mesma explicação, nunca invocando a mesma genealogia, não registrando da mesma maneira o mesmo acontecimento’’. EXTRA-SENSORIAL ESSE CANIBALISMO DE FORÇAS AUTO-REFLETIDAS. SENTINDO ROMPER A MINHA VOLTA A ATMOSFERA PARA DILATAR UM ESPAÇO IMPOSSÍVEL PARA TUDO DENTRO DO MUNDO E PARA QUE ASSIM EU POSSA AVANÇAR. SÓ POTENCIA. GERMINAÇÃO VIRTUAL. APENAS CASCAS DE PALAVRAS. AQUELA PONTE FOSFORESCENTE ELEVANDO-SE DA EXCEPCIONAL TENSÃO DOS MEUS NERVOS. ABAIXAVA A CABEÇA, AS MÃOS EM CONHCA NAS ORELHAS, E IA SE FORMANDO DENTRO DO QUARTO DO ALOJAMENTO DACURRUTELA AQUELE MUNDO GRANULAR EM QUE O PENSAMENTO SE DISSOLVIA EM SI MESMO. ERA A ISSO QUE EU DAVA O NOME DE ARTE. ARTE, E NÃO LOUCURA. O QUE CHAMAMOS LOUCURA É APENAS A FALTA DE COSTUME DO PENSAMENTO DOS OUTROS. ‘’MUITAS VEZES ME COLOQUEI NAQUELE ESTADO DE IMPOSSÍVEL ABSURDEZ PARA PROCURAR DESPERTAR EM MIM O PENSAMENTO TRANSLÚCIDO. CRIAR EM MIM MESMO ESPAÇOS PARA A VIDA E O DESCONHECIDO, ESPAÇOS QUE NÃO ERAM NEM PARECIAM PODER TER LUGAR NO ESPAÇO, PORQUE MOVEDIÇOS NO MUNDO GRANULAR DA CONSCIENCIA EXPANDIDA E IMPENETRÁVEIS AO OLHAR DO LEIGO ADORMECIDO.

(continua)
KALKI-MAITREYA

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