segunda-feira, 7 de outubro de 2013

MORELLIANA

 

Num texto de Morelli, esta epígrafe de L’abbé C.de Georges Bataille – ‘’Il soufrait d’avoir introduit dês figures décharnées, qui se déplaçaient dans um monde dément, qui jamais NE pourraient convaincre’’.

Uma nota a lápis, quase ilegível –‘’Sim, sofre-se por vezes, mas é a única saída decente. Basta de romances hedonistas, pré-mastigados, com psicologias. É preciso estender-se ao máximo, ser voyant(vidente), como desejava Rimbaud. O romancista hedonista não passa de um voyer. Por outro lado, já chega de técnicas puramente descritivas, de romances ‘do comportamento’, meros roteiros de filmes sem o resgate das imagens’’.
Para relacionar com outra passagem –‘’Como contar sem fogão, sem maquilagem, sem piscadelas de olho ao leitor? Talvez renunciando á suposição de que uma narração é uma obra de arte. Senti-la como sentiríamos o gesso que vertemos sobre um rosto para fazer-lhe uma máscara. Mas esse rosto teria de ser o nosso’’.
E também, talvez, esta nota solta –‘’Lionelli Venturi, falando de Manet e sua Olympia, assinala que Manet prescinde da natureza, da beleza, da ação e das intenções morais, para concentrar-se na imagem plástica. Assim, sem que o saiba, está efetivando como que um regresso da arte moderna á Idade Média. Esta entendera a arte como uma série de imagens, , substituídas durante a Renascença e a época moderna pela representação da realidade. O mesmo Venturi –ou será Giulio Carlo Argan? – acrescenta –‘’A ironia da história desejou que, no mesmo momento em que a representação da realidade se tornava objetiva e, por conseguinte, fotográfica e mecânica, um brilhante parisiense que queria fazer realismo tivesse sido impulsionado pelo seu notável gênio a devolver á arte sua função de criadora de imagens...’’’’

Morelli também escreveu o seguinte –‘’Acostumar-se a empregar a expressão figura em vez de imagem, para evitar confusões. Sim, tudo coincide. Mas não se trata de um regresso á Idade Média, nem coisa parecida. Erro de postular um tempo histórico absoluto. Há tempos diferentes, embora paralelos. Nesse sentido, um dos tempos da chamada Idade Média pode coincidir com um dos tempos da chamada Idade Moderna. E esse tempo é o aprendido e habitado por pintores, escritores que recusam apoiar-se na circunstancia, ser ‘moderno’ no sentido em que o entendem os contemporâneos, o que não significa que optem por ser anacrônicos; simplesmente estão á margem do tempo superficial de sua época, e, desse outro tempo onde tudo alcança a condição de figura, onde tudo vale como signo e não como tema de descrição, tentam uma obra que pode parecer alheia ou antagônica ao seu tempo e á sua história circundantes, mas que apesar disso os inclui, explica e em última análise orienta para uma transcendência em cujo término o homem está esperando’’.
 
Júlio Cortázar
 

RAYUELA (O jogo da amarelinha) 

–CAPÍTULO 116

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