sábado, 19 de outubro de 2013

VÊNUS DE LESBOS (7)

-Sabe de uma coisa - ela disse, deitada na cama enquanto eu fumava na janela do quarto olhando as pessoas em volta da piscina, suas pupilas ao sol eram pequenas como o centro de um lápis. - Acho que demorei um pouco a perceber que era extraordinariamente infeliz com meu marido(...) muito antes de pedir o divórcio eu já me pegava sonhando vagamente com outros homens, como todo psiquiatra ele provavelmente percebia meu distanciamento(...) -, ela disse olhando para mim enrolado na cortina da janela para os hóspedes lá embaixo não me perceberem, como um pouco de manteiga ao sol, minha nudez estava começando a ficar meio rançosa, de modo que peguei minha bermuda do chão e me vesti. Eram cinco e meia da tarde e no céu o sol baixava um montão de nuvens cor de salmão sobre o mar. - Porque está dizendo isso(?) Está aborrecida com alguma coisa(?) - perguntei, mas sabia que não era verdade, naquele momento, nada era mais distante da realidade, pois estávamos os dois vivendo um momento de prazer em bruto e dificilmente ela estaria dizendo aquilo como quem perguntasse alguma coisa a si mesma angustiadamente. -Claro que não, seu bobo(...) Me sinto mais feliz do que nunca, só estou refletindo de forma inocente(...) - ela disse, mas sua sexualidade não tinha nada de inocente, apesar de tudo. Tinha a naturalidade de um prato de comida tropical e a instigante obsessão de um quadro de carreira milionário. Mas, por um momento, totalmente nua na cama, ela me pareceu inocente falando aquilo. Tão inocente quanto real: ela, o quarto, as nuvens cor de salmão boiando sobre o mar e as três estudantes de teosofia andando deliciosamente em trajes de banho em volta da piscina lá embaixo. Estirada na cama em desalinho, nua, de coxas abertas com aquelas incorpadas manchas de mel escorrendo no lençol da cama, ela me parecia extremamente feliz e realizada. Fui até a cama e a abracei, afagando-lhe as pontas escorregadias. O sol e a minha saliva estenderam uma sensação de nevoeiro sobre sua barriga. Súbito, a mão dela, leve como uma pena, estabeleceu uma nova premência entre nós e se fosse para dar crédito ao contato dela, poderia-se dizer que o que ela segurava naquele momento era um falo feito de pura prata. - Seu marido ainda te liga para fazer perguntas(?) -perguntei, rindo maliciosamente no pé do seu ouvido. -Ex-marido, por favor(...) Claro que não, como você é bobo(.) - ela disse, rolei ela para o lado e abri um pouco mais suas pernas e entrei nela novamente com toda a simplicidade que ela permitia, uma ponta de resistência teatral e então um rápido aprofundamento, deslizamento renovado por etapas. O vento pela janela me instigava a olhar suas nádegas sob a pressão do meu corpo. -Tão bom, tão bom (...) , ela murmurou, enquanto eu me sentia encorajado a chegar até o fim novamente e via suas pálpebras de veias purpúreas e uma gota de saliva acumulando-se num canto dos lábios. Mordi o ombro dela, macio como uma laranja ao sol, e viajei numa metáfora abafada cujas paredes vermelhas e quentes eram eu mesmo e em cujo final eu mesmo estava me esperando. O rosto dela virou-se para trás para olhar dentro dos meus olhos. No extasiante e tão agradável espaço interno dentro dela, onde eu tateava para achar o que queria, saltei e tornei a saltar, três, quatro, cinco vezes. Os cantos dos lábios dela já estavam ficando manchados de tantos beijos e mordidas. -Bom(?) -perguntei, com a fala entrecortada pela respiração rápida. -Não pergunte, não pergunte(!) - ela disse, quase gritando, em rítmica sincronia com sua respiração ofegante. Não me ocorria a idéia dela ter sentido dor por eu ter mordido seu lábio um pouco antes de acabar, mas ela levou a mão aos lábios e olhou para mim como se eu fosse um animal e falou alguma coisa numa voz abafa pela respiração que eu não ouvi direito. Falou por puro prazer, como se costuma falar após o amor, o corpo ainda sensível, a cabeça um pouco vazia. Depois encolheu os ombros sob mim, seu pescoço e os ombros estavam luzidios de suor novamente. - Está quase na hora da reunião com o grupo de trabalho lá embaixo(...) - ela disse -Suas costas são tão bonitas(.) - respondi, ignorando o assunto que ela trazia á tona. -Você me ama(?) - ela me perguntou, no exato momento em que o trio de garotas lá embaixo na beira da piscina explodiu numa estrondosa gargalhada.. nós dois rimos maliciosamente um para o outro daquilo e logo depois eu respondi - Muito(.), era o que eu sentia naquele momento, o azul do céu ensolarado pela janela do quarto não era somente o azul de anil, mas também o azul do céu em certas tardes de agosto, pouco antes do sol se pôr e tingi-lo de rosa e alaranjado. -Tem certeza(?), ela insistiu. -Sim, tenho(.), disse e nós dois nos levantamos juntos para fumar na janela acompanhando o por do sol sobre o mar. As três estudantes de teosofia estavam deitadas de costas sobre as cadeiras de praia, uma mais deslumbrantemente linda que a outra. - Bia, Fernanda e Kelly(...) antes que você me pergunte(.), ela disse, dando nome ás beldades que pareciam saídas de uma tela de cinema. - A ruiva é a Kelly, a loira é a Fernanda e a mais bonita de todas, a dos olhos de crisoprásio, se chama Beatriz (Bia), ela concluiu e esperou eu fazer alguma ponderação. - De fato(...) é a mais bonita de todas mesmo, uma verdadeira Vênus de bronze com duas esmeraldas enterradas no rosto., eu ponderei, ela pareceu concordar mansamente com o que eu disse e completou: - Vênus de Lesbos(...) - O quê(?), perguntei. - Safo, a Vênus de Lesbos(...), ela explicou. - Ah sim, Safo(!), compreendi, lembrei: Safo, poetisa nascida em Mitilene, na ilha de Lesbos, provavelmente por volta de meados do século VII a.C, de boa família, contemporânea do poeta Alceu. Ela prosseguiu: - Safo refere-se a si mesma como geraitera em um de seus poemas. Os siracusanos erigiram em sua cidade no século IV a.C, em homenagem a ela, uma estátua sua de autoria de Silânion(...), então eu a interrompi: - Não lembro de ter lido os poemas dela, mas quem nunca ouviu falar de Safo(?!), comentei, de fato era uma lenda da poesia grega. - Sinceramente, continuei, só consigo me lembrar vagamente de alguns versos do poema Lesbos, de Baudelaire: ''Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas,/ Que desabam sem medo em pélagos profundos,/ E correm, soluçando, em meio às colunatas(...)Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam(...)Olha essa parte agora(!:) Deixa o velho Platão franzir seu olho sério; / Consegues teu perdão dos beijos incontáveis,/ Soberana sensual de um doce e nobre império(...)- terminei de recitar aqueles versos entusiásticamente e logo ela continuou: ''(...) Safo se casou com um homem chamado Kérkilos e teve uma filha, a quem pôs o nome de sua mãe, Kleis, que também era o nome de sua avó. Segundo parece Safo reuniu em torno de si um grupo de mulheres, talvez com a intenção de cultivar a música e a poesia, ou para o culto de Afrodite(.), ela disse, era bem mais que o pouco que eu já tinha lido... como se aprendia com ela(!) Acompanhávamos o por do sol fumando na janela e enquanto ela discorria eruditamente ao meu lado eu tentava estudar discretamente os lábios das três garotas lá embaixo deitadas em fila e viradas com os rostos na nossa direção, durante a animada conversa que estavam tendo entre si sob o sol declinante do crepúsculo, articuladas nas mil e uma premeditações daqueles sorrisos maravilhosos, eu senti subitamente aquelas garotas mergulhadas num mundo isolado e misterioso, privado e luxuriante, que minhas impressões e observações apenas podiam sondar superficialmente, cumprimentando-as cerimoniosamente como se elas fossem um trio de moças aristocráticas á passeio numa estrada interditada para mim. - A poetisa escreveu nove livros de odes, epitalâmios, elegias e hinos, dos quais sobrevivem apenas fragmentos. Safo escreveu em dialeto eólico, e muitos dos fragmentos foram preservados por gramáticos como exemplos desse dialeto. O assunto principal de seus poemas foi o amor, sempre expresso com simplicidade natural, às vezes com ternura, às vezes com ardor apaixonado. Ela usou em seus poemas uma grande variedade de metros, o sáfico está associado especialmente a seu nome. Sua poesia foi muito apreciada na Antigüidade, elogiada por Platão, por muitos poetas da Antologia Grega e por "Longinos" no tratado sobre o Sublime. Ovídio escreveu em suas Heroides uma epístola imaginária de Safo. Safo inspirou também muitas passagens de poetas ingleses, inclusive Swinburne ("Anactória") e Frederick Tennyson(.), ouvindo tudo o que ela contava sobre Safo ao meu lado, eu não tinha a exata consciência de estar registrando as palavras da Vênus dos olhos de crisoprásio lá embaixo, mas enquanto ela falava ao meu lado eu achei que elas tinham percebido a gente na janela. - A mais bela coisa deste mundo / para algumas são soldados a marchar,/ para outras uma frota; para mim/ é a minha bem-querida.(...), ela recitou aquela estrofe rindo e automaticamente eu comecei a rir também - Um poema de amor escrito 2.600 anos atrás por Safo foi publicado no dia 24 de junho de 2005 pela primeira vez desde que foi redescoberto. Os versos expressam o amor de Safo por suas companheiras na ilha grega de Lesbos, de onde vem a expressão ''lésbica''. Ela obviamente tinha um relacionamento emocional com mulheres e muito possivelmente sexual também(...) o poema foi descoberto após pesquisadores da Universidade de Cologne, na Alemanha, identificarem um papiro que envolvia uma múmia do século 3 antes de Cristo. Nele estavam os versos da poetisa: Vós, meninas, entusiasmem-se com os carinhosos presentes / Das musas de seios perfumados e com a lira clara e melodiosa(...) -, recitou novamente ela. ''De fato(...) elas parecem bem entusiasmadas ali embaixo(...)'', eu disse, rimos mais uma vez e saímos da janela após fumar e ela se atirou na cama novamente. - Pode me acordar daqui a uma hora... AMOR(.), ela disse acentuando ironicamente a palavra AMOR e cerrou os olhos tão pesadamente como se fossem punhos e dormiu.

(continua)

KALKI-MAITREYA 

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