sexta-feira, 1 de novembro de 2013

CONTRA A PAREDE (11)



Acordei muito cedo no dia seguinte, conforme ela tinha me pedido, para ir até o centro comercial do distrito fazer compras para a pousada. Ela deixou as chaves do carro dela comigo antes de subir para o seu quarto e dormir sozinha e provavelmente como uma pedra, depois daquela madrugada de revelações tardias que produziram um efeito estranho na minha alma, cujo alcance eu ainda não podia avaliar direito. Seis horas da manhã de Domingo e eu já estava em pé e de banho tomado, a janela da cozinha atrás de mim tocada por uma gota de sol nascente. Tirei do bolso da calça as chaves do carro enquanto coava o café: ela tinha acabado de comprar aquela caminhonete com ampla traseira e tração nas quatro, uma vez que sem carro ela e eu éramos como prisioneiros naquele fim de estrada da ilha. Os hóspedes haviam deixado uma verdadeira praça de guerra em ruínas sobre a pia e a mesa da cozinha após o jantar e a bebedeira da noite anterior. Lavei o que pude até a água do café ferver e deixei o resto para quando voltasse do distrito. Assim que me servi uma xícara de fumegante café preto e sem açúcar, ouvi uma respiração atrás de mim e me virei. Encontrei Susana parada diante da porta, fumando. ---- Quer fogo(?) ---, ela perguntou. De fato, eu tinha um cigarro apagado entre os dedos e minha fisionomia era mesmo a de um fumante em busca de fósforos para acender o primeiro cigarro do dia. --- Obrigado, Susana(.) ----, ela continuava parada sob a porta, a pele alva lavada á poucos minutos brilhando dentro de um curto vestido verde-azulado cheio de pecado. Aproximou o isqueiro do cigarro na minha boca e acendeu. --- O primeiro cigarro do dia é sempre o melhor, revela mais sabor(.) ---, ela disse, me parecia estranho e exótica a presença dela ali áquela hora da manhã, de modo que não resisti e perguntei: ---- Não dormiu bem(?) Ainda é tão cedo(...) ---, pensei que ela estava certa sobre Susana, naquela hora precoce do dia e podendo analisa-la isolada e sobriamente, ela se apresentava com uma beleza caudalosamente farta diante dos meus olhos de sono, com os sedosos cabelos castanhos molhados e penteados para o lado, mas a lembrança dela rolando com o cara na areia da praia era ainda bem viva na minha mente e obscurecia a impressão geral que tinha dela. ---- Obrigado pelo fogo, agora vou ter que ir no distrito fazer compras para a pousada(.) --- ,eu disse e ela prontamente se colocou de corpo inteiro no meio da porta, obstruindo minha passagem de forma deliberada: ---- Parece até uma coisa planejada(.) Quando eu chego você sái, como se estivesse fugindo de mim(.) ---, ela disse num tom contestatório e frio e eu não sabia minimamente o que responder, mas aquilo serviu para espantar do meu rosto todo vestígio de sono. Tossi aquele tipo de tosse que se usa em ocasiões inesperadas para disfarçar o sentimento de surpresa. --- Como (?) ---, perguntei, ela preservava o ar elegante e aristocrático mesmo dentro daquele vestidinho tropical e completamente limpa de maquiagem, batom ou jóias. Não muito baixa, nenhuma timidez no olhar de predadora e por um momento realmente me lembrando o porte de uma Jackeline Kennedy em trajes tropiciais contemporâneos, mas muito mais bonita de rosto: --- Se eu tivesse que explicar todos os problemas do meu casamento á um estranho, acho que pelo menos teria o direito de decidir se ele é o tipo de pessoa em que posso confiar (.) ----, Susana disse e eu lembrei das palavras dela ontem á noite: ''Você é o tipo de homem com quem as mulheres gostam de fazer experiências gratuitas(.)''. Sorvi o cigarro profundamente e baforei toda a fumaça na direção dela, meio sem querer, e ela recuou estremecida , modelando uma fisionomia irônica e divertida. --- E porque, exatamente, você faria isso(?) ----, perguntei. Ela riu, ficou olhando para mim. Finalmente, falou: ---- Porque pode ser que isso seja bom pra mim(.) digo(:) desejável e necessário(...) e você bem sabe disso, não adianta fingir(.) ---, agora eu já desconfiava do que estava acontecendo. -----Tudo bem, continue(.) ---, eu disse, ocorreu-me perguntar á ela o que ela queria dizer com ''e você bem sabe disso(...)'', mas não ousei, já sabia, no fundo, e havia algo nos olhos dela agora que procurava se esconder sob as córneas reluzentes de indiretas. O sol nascente penetrou em cheio pelo vidro da janela da cozinha e incendiou seu rosto em profundo detalhe. --- Já tive inumeráveis noites iguais áquela que você presenciou na praia, com a Carmen(.) ----, agora meu coração acelerou ligeiramente e eu tive que dizer: --- Achei que você tinha visto só a mim (.) fui atrás dela na praia só porque fiquei preocupado, aqui não me parece um lugar seguro para se ficar andando na praia de madrugada, sobretudo para uma garota indefesa e inocente(.) ---, falei quase sem parar para respirar, num só fôlego, como quem se defende afobadamente diante um juiz legalista da quinta vara penal. --- Sei(...) mas não se preocupe, isso não é problema meu(...) ----, ela ponderou e eu complementei minha defesa logo em seguida: --- Está tentando me assustar, Susana(?) se estiver, é melhor encontrar algo mais sólido do que isso(.) ---, eu disse, blefando, pois seria extremamente desagradável ter que dar explicações sobre isso á Carmen ou mesmo para ela, se Susana resolvesse fazer alguma intriga suja com o meu nome. Em todo caso, não parecia ser exatamente este o intuito da mulher á minha frente, que agora tinha levado o fino indicador aos lábios e tocado cuidadosamente a ponta da língua. ---- Se estivesse, não teria vindo procurar você aqui, á essa hora da manhã(...) teria ido direto na sua ''patroa'', ou será que ela é algo mais que 'patroa'' para você'(?) bom, mas isso também não é problema meu, apesar de ela ser ex-mulher do meu irmão(...) ---, permaneci em silêncio durante um longo momento, então falei: --- O que você quer, afinal(?) ---, ela juntou as mãos no ar e estalou os dedos sonoramente. ---- Huuuum, depende(...) Entenda primeiramente que não teria me atingido em nada se tivesse contado ao meu marido sobre o que você viu na praia, ele sabe que eu faço isso de vez em quando, temos um acordo muito claro(...) não é deprimente(?) rssss ----, ao falar aquilo, ela fazia o conjunto de gestos faciais e manuais mais despropositado que eu já tinha visto numa mulher falando. Continuou: ---- Mas para você pegaria muito mal se a Carmen soubesse que estava sendo seguida na praia por alguém que ela não conhece e não gosta(.) ---, não movi uma única pálpebra, aquilo queria dizer que Carmen havia feito algum comentário depreciativo á meu respeito com ela. Que manhã azarada! Susana virou-se de costas e andou para fora da cozinha. Acendeu um novo cigarro e voltou a se virar para mim, do lado de fora: --- Acho que vou com você no distrito, te ajudar com as compras(.) ----, ela disse e eu reagi áquilo da mesma forma que um peixe morto reage á uma isca. ---- Pare de tentar jogar com os meus sentimentos(.) O que você quer(?) ----, perguntei, apreensivo e farto daquele ridículo jogo de nervos. ---- É realmente necessário dizer(?) Não te parece óbvio, á essa altura(?) ----, ela disse e sorriu maliciosamente me olhando dos pés á cabeça, um olhar típico de mulher acostumada a devorar homens e cuspir o bagaço no chão. ----Nada mais me parece óbvio á essa altura(!) Mas não precisa dizer, já entendi(.) ----, eu disse e tentei imaginar que tipo de homem era seu marido, que hábitos bizarros de personalidade tinham feito ele aceitar a companhia de uma mulher assim... Concluí, completamente vendido: ---- Mas vai ser tudo por sua conta e risco, se seu marido perceber e vier tirar satisfações comigo(.) E por favor, se não for pedir demais, não procure sua ex-cunhada para desabafar sobre mim, depois (.) Vai me trazer problemas(.) ---, notei ela vagamente tomada por um vago sentimento de lealdade ao meu pedido, que em todo caso me pareceu suficiente. ---- Tudo bem, mas aposto que ela dará um jeito de advinhar (.) ---, me encarou durante um demorado minuto (todos os intervalos de tempo da nossa conversa me pareciam longos e lentos), enquanto eu sorvia o café da minha xícara até o final . ---- Café, o sangue vital para homens encostados contra a parede. ----- eu disse mostrando a xícara vazia na minha mão e ela respondeu prontamente: ---- Qualquer um no seu lugar estaria se sentindo um sultão, pare de reclamar de barriga cheia(.) ----, ela parecia estar iniciando uma longa repreensão quando chegou junto de mim e me lascou um ensopado beijo na boca que me pegou totalmente desprevinido. ---- Foi só uma constatação, não estou exatamente reclamando(..) ''Aceitarás teu Karma alegremente(.)'', diz o ditado hindu(.)'' ---, disse assim que nossas línguas se desenroscaram: ----- Te acho uma tremenda beldade nazista coberta de pecado dos pés á cabeça, não é esse o problema(.) Bom, que se dane(...) Vamos indo, então(.) Depois te passo um recibo(.) ---- , disse por fim e ela me acompanhou até o carro nos fundos da pousada com um risinho maquiavélico rasgado no canto da boca. No carro, após um quilômetro e meio sintonizando umas quinze rádios diferentes por minuto, ela perguntou: ---- Aonde você pensa que vai me levar (?) ----, respondi que iria leva-la em um daqueles hotéis pulguentos que eram novos no tempo em que o banheiro azulejado até o teto se tornou a base da civilização. Ela constestou: ---- Prefiro encostar o carro em alguma encruzihada deserta (..) ----, eu ri. ---- Brincadeira(.) no carro dela, nem pensar(.) há um pequeno terraço alugado em nome dela no distrito , que ela usa para guardar móveis velhos e artesanatos(.) é lá que vou te levar(.) não é grande coisa, mas tem uma bela vista(.) ----, as lagoas de água salgada da ilha se mostravam á nossa direita, majestosamente cobertas por capim na manhã que já nascia escaldante. Um pouco mais além, uma faixa de azul esmaltado no horizonte do mar. Chegando mais perto das áreas de urbanização do distrito, ela me chamou a atenção para uns ladrilhos descoloridos em torno de uma banheira cheia de terra abandonada na entrada de um terreno baldio: ---- ''Poético, isso aqui(...)''. Estacionei o carro em frente á banca da praça central para pegar o jornal do dia antes que acabasse. As primeiras gotas de uma displiscente chuva de verão bateram em minha mão assim que desci do carro. OGX DE EIKE BATISTA PEDE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. -DIEGO COSTA PREFERE DEFENDER A ESPANHA. - CHINESA RECEBE ROSTO CULTIVADO NO PROPRIO SEIO.- MAMBA-NEGRA (uma das cobras mais venenosas do mundo) FOGE DE ZOOLÓGICO NA ÁFRICA DO SUL - GAROTO JAPONÊS TENTA IMPRIMIR A WEB - ANÃO VESTIDO DE PALHAÇO MATA OITO NA CROÁCIA- MORRE LOU REED AOS 71 - ''E ainda há gente no mundo preocupada em fazer 'poesia surrealista'', pensei, passando os olhos na primeira página do jornal com a convicção de que o surrealismo do mundo já havia superado o da arte há muito tempo. Entrei no carro novamente e dirigi por dentro do distrito até o prédio onde ficava o terraço, explicando á Susana que todos ali no distrito conheciam o carro dela e que certamente renderia algum assunto a visão de nós dois juntos dentro do carro. ---- Mas é perfeitamente possível andarmos durante horas no carro dela pelo distrito e não saberem nada da nossa ida ao terraço(.) e é perfeitamente possível saberem da nossa ida ao terraço sem saberem de nada do que acontecerá lá dentro(.) ----, eu disse, ela respondeu demonstrando alguma excitação com meus cálculos paranóicos: ---- Você parece um detetive particular falando, adorei(!) ---- Descemos em frente ao prédio. O péssimo aspecto dos portões de ferro roídos pela maresia eram amenizados pela bela vista adiante. Mais sol da manhã no mar. Mais vida refletida no rosto, de um jeito ou de outro. Umidade. Sol. Vento. Atraquei-me com ela rapidamente nas escadas do prédio, então subimos e entramos no terraço. Mesmo com algumas nuvens sobre o mar, o sol brilhava na vista ampla, uma bela vastidão de natureza limitada apenas pelas dunas nos lados. ----- Uau, é bonito mesmo(!) -----, ela disse, caminhando de forma esbelta até a sacada do terraço. ---- Se você me permite perguntar, sobre o que é o livro do seu marido(?) ----, perguntei á ela, sem muita pressa para chegar ás vias de fato. ---- É realmente necessário conversar sobre o meu marido, logo agora(?) ----, estávamos no n 404 de um prédio de quatro andares. ---- Perdão, não tinha percebido que voce era uma mulher tão sensível(.) ----, ela riu ---- , havia na nossa frente um alpendre simples, descascado, no qual cinco cadeiras de balanço de cana da índia estavam espalhadas dissolutamente, ligadas por um arame farpado e pela mistura da maresia. Um sol forte agora despejava-se sobre a parte descoberta do terraço e enchia o corpo e os cabelos de Susana com um radiante reflexo tropical. Além disso, velhas e enferrujadas peças de barco estavam espalhadas por toda parte, jogadas ali há um bocado de tempo. ---- Não quis te aborrecer(.)----, ponderei calmamente, mas ela não parecia aborrecida de jeito nenhum: ---- Já tem algum tempo, desde que mudamos para Londres, que o Arthur anda com um cansaço inconsciente que o torna azedo e insuportável para a maioria das pessoas, inclusive para mim(.) de vez em quando ele bebe e arranca algum senso de humor de dentro de si, mas logo volta a olhar para as pessoas e o mundo a sua volta como se estivesse atravessando um quarteirão no fundo do mar com uma âncora presa na cintura(.) é como se ele olhasse para dentro de si mesmo e encontrasse apenas uma superfície escorregadia na qual nada consegue parar em pé(...) e mais seus problemas de saúde crônicos(...) afff(!) ----, agora sim, percebi um certo mal estar irritado dentro dela por estar tendo que se recordar tão lugubremente do marido, mas eu só tinha perguntado sobre o que era o livro dele. Ontem á noite, lembro de ter passado pela escadaria do terceiro andar, e ter visto Susana parada em frente a porta do quarto deles,quando de repente a cabeça calva e rosada de Arthur emergiu de dentro da porta como a carne macilenta de um molusco e fez uma cara de pouquíssimos amigos assim que me viu passando pelo corredor. Aquele sujeito me dava nos nervos. Susana saiu debaixo do sol na parte descoberta do terraço, chegou perto de mim e afastou as alças do vestido sobre os ombros com uma raivosa tensão erótica percorrendo-a dos pés á cabeça. Desabotoou o sutiã e seus seios branco-azulados surgiram tensos e compactos á minha frente, com os botões dos bicos enrijecidos e as veias de um verde de algas. Eu estava bem próximo dela e a tomei de assalto subitamente, caindo sobre um vasto móvel de altura mediana sobre o qual foi possível deita-la de comprido. As unhas esmaltadas e frias encostavam nos lados tensionados dos lábios da minha boca e de vez em quando um dos seus dedos procurava curiosamente minha língua enquanto eu a chupava sem nenhuma cerimônia. Depois, me puxou pelos cabelos para cima e disse: ---- Me beija(!) ----, ela tinha na boca uma deliciosa umidade enquanto seus seios me transbordavam das mãos , uma umidade cujo horizonte minha língua queria também alcançar. Depois, gostei de olhar para ela de costas, sob uma prateleira cheia de artesanatos locais. A unidade completa da sua nudez era feita de matizes de creme, rosa e lilás, mais as solas avermelhadas dos pés, as veias dos seios de um verde de algas e sua alva, enxuta e violinada barriga de Jack Kennedy com espartilho. E gostei de olhar para ela de frente, até ela aceitar serenamente meus olhos de bicho como se ela fosse a modelo e eu um pintor expressionista em um transe criativo turbulento. Não sei se as revelações tardias feitas á mim na noite anterior tiveram algo haver com isso, mas, enquanto buscava o espasmo de êxtase derradeiro dentro da carne quente e macia de Susana, decidi que tinha que ir embora daquela ilha o mais rápido possível. Foi como um augúrio. Os olhos de Susana agora estavam escuros, tão escuros quanto estrelas muito densas para deixar a luz do êxtase cósmico escapar, e sua face clara chamejava de expressões explícitas de prazer quando atingiu o orgasmo. Assim que acabou, o silêncio entre nós se tornou adesivo e eloquente. Com uma certa inquietude de alma, percebi que tinha gostado mais de hoje, com Susana, do que no dia anterior, com ela. Eu simplesmente sentia a certeza de que tinha que ir embora daquela ilha o mais rápido possível, e isso significava ir embora hoje mesmo. Uma luz vinda de além do telhado do terraço se estendeu confusamente pelas paredes, Susana sentou-se numa das cadeiras de cana da índia e suas palavras entrecortadas pela respiração ofegante me pareceram fósforos riscados num perigoso espaço interno dentro de nós dois: ---- Quanto sai o dia do aluguel(?) ---, ela perguntou. ----Como(?), não tinha entendido. ---- Você não disse que ia me passar um recibo(?) kkkkkkkk(!) E se eu quiser repetir a dose até o dia de ir embora(?) Quanto fica(?)----, confesso que fiquei sem palavras na boca durante alguns segundos, pensando mais do que nunca que agora eu tinha que ir embora daquela ilha de qualquer jeito. Respirei fundo e disse: ----- Talvez nos reencontremos em breve, você é adorável(.) ----, a boca dela continuava aberta, ofegante, e seu rosto brilhava com o suor enquanto ela se vestia. Fui até a sacada do terraço para bombear um pouco de ar fresco para os pulmões antes de acender um novo cigarro e contemplar a vista. Na rua logo abaixo, onde tinha estacionado o carro, nada se movia, nem mesmo um cachorro. O terraço continuava mergulhado em completo silêncio quando fechei a porta e descemos as escadas. ---- Então, você não me disse sobre o que era o livro do seu marido(...) ---, depois de uma pausa aflitiva, ela me perguntou na voz de uma vendeuse impaciente diante de um freguês indeciso: ---- Porque voce não desiste de falar no meu marido(?) É de propósito, não é(?) ----, não, não era de propósito. Ela prosseguiu irritada, ainda sem falar sobre o que era o livro do marido: ---- Não tolero mais dormirmos de costas um para o outro (.) Acho que eu já nem tenho mais sonhos á noite por causa disso(.) A maioria dos meus sonhos são visões intermitentes de crianças sem nome, de chuvas caindo em lugares montanhosos onde nunca estive, de um mesa com pés de leão onde há sempre um vazo azul vazio e inexpressivo em formato mei-ping que não me diz absolutamente nada(...) além do mais, a última vez com ele foi especialmente fria e desagradável para mim(.) Fiquei o tempo todo debaixo dele com aquela passividade apática de sacrificada, com o pescoço tortamente levantado ao lado do seu, pedindo á Deus para acabar logo(.) ''Desculpe'', ele disse uma hora, vendo que eu não estava sentindo nenhum prazer com aquilo(.) a melancólica indisposição da minha voz deve ter comovido alguma coisa dentro dele que o fez ejacular imediatamente, me libertando daquela servidão(.) me virei para o lado e não consegui dormir a noite inteira pensando em como seria bom estar com algum outro homem (.) ---, belle in lit, pensei, Susana agora me parecia uma mulher em que a beleza física desde cedo havia gerado grandes expectativas. Talvez o não cumprimento de uma parte delas houvesse gerado nela também um idealismo desproporcionalmente azedado, um idealismo capaz apenas de achar o mundo sempre em falta para com ela. Nessa altura eu a interrompi e disse que só queria saber sobre que diabos era o maldito livro.

(continua)

KALKI-MAITREYA

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