sábado, 9 de novembro de 2013

RUBEDO (14)


O avermelhamento alquímico (RUBEDO) não é exatamente um trabalho, mas um estado que o iniciado alcança e busca de todas as formas prolongar indefinidamente. Depois de oferecer sua alma em sacrifício como um cálice ao vinho do Espírito Santo durante o enegrecimento e o embranquecimento --- o magneto de energia psíquica no qual a matéria agora está em êxtase ---- o espírito do iniciado repentinamente começa a arder em chamas. O ''ouro'' finalmente aparece ao final do processo na forma de avermelhamento, ou consciência solar da omnipresença de Deus, a AUREA APREEHNSIO. O fogo de que se fala aqui não é o elemento fogo ---- ou não é somente ele ---- , é o fogo que está ''super omnia elementa''' e que atua como uma das línguas de fogo do Pentecostes no Antigo Testamento. A XANTOSIS --- aparição do ouro alquímico ---- marca a chegada do avermelhamento ou RUBEDO, que consiste na intervenção direta do poder transcendente. Na ilustração de Gichtel, o dragão que cobria o coração do iniciado e restringia sua irradiação permitindo a concentração da luz de sua consciência apenas em objetos de afirmação individual, é ''dissolvido'' na potência do contato divido. Essa é a celebração definitiva da NUPTIA CHYMICAE (núpicias alquímicas) : o Sol se une á Lua, o azufre ''fixa'' o mercúrio --- no indivíduo o espírito retém a vida e a faz frutificar amorosamente, como no encontro entre o Rei Vermelho e a Princesa Branca. Telefonei para Dayse, a garota que tinha conhecido na rua, e ela simpaticamente me convidou para ir tomar alguma coisa mais tarde. Décimo-quarto dia: ás dez e meia da noite quitei minhas contas na recepção do hotel na parte baixa da Halfeld e disse que iria embora da cidade pela manhã, estava com um vôo marcado para Belém no dia seguinte, ás 18:oo hs, no aeroporto internacional do Rio de Janeiro. Dayse tinha marcado de se encontrar comigo ás onze da noite em um pub do Alto dos Passos, famoso point da cidade de Juiz de Fora, que concentra um pólo de bares cujas mesas são disputadas á tapa por um exército de animais universitários a partir de quinta-feira á noite. Dayse se encontrava em pé diante da entrada do pub, imóvel com seus cabelos castanhos ao vento, e eu a contemplei á distância, quando ia chegando, com uma admiração que rapidamente atingiu os limites do embevecimento. Não imaginei que a garota que eu tinha conhecido por acaso em plena avenida Independência, vestida rusticamente com calça jeans e camiseta alaranjada, voltando da faculdade de direito, reapareceria diante de mim, mesmo que ainda á uma distânia de dez metros, tão bela e elegante. E não era uma beleza isolada, uma mera soma de traços e perfeições, era um conjunto formado de tudo o que participava dela, desde os cabelos, os olhos, a pele, até a menor vibração que escapava de suas narinas respirando. Estava impecavelmente vestida, como uma oferenda erótica para a noite, o que sem dúvida acrescia um ar ainda mais sofisticado á sua radiante beleza. Seu vestido era vermelho, escuro e incorpado, tão agradável ao tato quanto o cetim. Sua linha era simples, envolvia-a como uma túnica que deixava á vista a maior parte dos seios, para desaguar embaixo, numa só vaga, em suas panturrilhas nuas e perfeitamente torneadas como as de uma bailarina clássica. E que consciência de seu próprio encanto possuía ela, ora imóvel, ora movendo-se com estudada lentidão, infalível como as mulheres que têm certeza do que estão vestindo. ---- Olá, boa noite(.) Será que você tem um momento livre(?) ----, comecei assim. Ela tinha cerca de vinte e cinco anos de idade, sua testa era de fato um pouco estreita, olhando de perto, talvez até mais do que poderia ser considerado elegante por uma revista de moda. O nariz era pequeno e indiscreto, seu lábio superior um pouquinho grande demais e a boca como um todo mais do que um pouquinho grande demais. Os olhos eram pretos como petróleo e contrastavam um pouco com sua pele excessivamente alva. Tinha um sorriso encantador e parecia ter dormido bem durante a tarde inteira. Como diria Raymond Chandler em um de seus romances: ''A dez metros, ela parecia uma deusa. A três metros, parecia algo feito para ser visto a dez metros''. ---- Eu não tinha certeza de que você viria, e acabei combinando de aparecer no apartamento de umas amigas minhas(.) pra falar a verdade, esses pubs do Alto dos Passos me dão nos nervos(...) me faz pensar em professores universitários esqueléticos tomando glicose numa maca de hospital depois de abandonar uma aluna nua num motel qualquer da cidade(...) ----, enquanto eu ria do que ela tinha acabado de dizer, se aproximou de mim e senti um vago perfume de sândalo muito seco. ---- Entendi(...) e posso te acompanhar até o apartamento das suas amigas(?) digo, é um convite(?) ----, ela balançou a cabeça afirmativamente e sugeriu que pegássemos um táxi por minha conta. ---- Claro, claro(..) esse lugar aqui ---- eu disse olhando os bares lotados na rua a nossa volta ---- parece mais um concurso de pernas artísticas para camaradas bêbedos com cara de buldogue sem assunto para conversar após a aula ou o trabalho (.) ----, ela também achou graça da minha observação, e disse: ---- Tem uma amiga minha que chama isso aqui de circuito da derrota(.) prefiro economizar meu dinheiro bebendo na casa de amigas, conversando coisas que gosto(.) ----, ela disse torcendo a cara mais gravemente, e tirou um cigarro da bolsa de camurça. Queimei meu dedo com um fósforo acendendo-o para ela. ---- Compreendo perfeitamente(.) ----, eu disse, ela expirou um leque de fumaça e sorriu através dele. Bonitos dentes, um pouco grandes. ---- Você não fuma(?) ----, perguntou. ---- Não, só acendo os cigarros dos outros(.) é um vício(.) -----, respondi. ---- Você não parece tão satisfeito assim de me ver, ou é impressão minha(?) -----, eu devia estar com o olhar perdido na distância dentro das minhas imagens mentais e ela logo percebeu isso: nem real, nem dólar... em um garimpo recém surgido no meio do rio Xingú, no estado do Pará, tudo estava sendo já comercializado em ouro. Cerca de 600 pessoas, entre elas uns 500 garimpeiros, organizaram uma mega currutela á beira do garimpo, nas margens do rio. Pelo menos 70 balsas como a de Seu Adamastor, exatamente naquele momento em que eu conversava com Dayse, sugavam o fundo do rio Xingú dia e noite, afirmando ensandecidos que o ouro retirado de lá atingia grau de pureza 96. Eu já imaginava o caos que me aguardava. ---- É impressão sua, acho que fiz exercício demais hoje de manhã(...) além do mais, vou embora da cidade amanhã cedo, e vai ser uma longa viagem(.) ----, eu disse, tentando deixá-la de fora do assunto do ouro, do rio, do rastreamento energético e da minha temporada recente através do mar escuro da consciência em meio á uma selva de batedores inorgânicos perigosos. Não é o tipo de assunto para se trazer á uma dama em uma noite fria e estrelada diante de um pub universitário com uma vigorosa palmeira-anã enfeitando as escadarias da entrada em neon. ---- De qualquer jeito isso não é problema meu(.) Vamos indo(?) ----, ela disse, mas me pareceu ficar pensando um pouco cismada naquilo. Eu não significava nada para ela, e ela não significava nada para mim, e nós dois parecíamos ter uma aguda consciência disso em cada palavra trocada. Mas a possibilidade de tomar um drink qualquer, num apartamento qualquer, conversando privativamente qualquer coisa com pessoas quaisquer, foi algo que começou a me fazer pensar um pouco melhor, depois de tantos dias isolado em completo silêncio naquela escuridão interdimensional de um quarto de hotel qualquer. A realização alquímica que culmina no avermelhamento (RUBEDO) é essencialmente fazer do espírito, carne. Não é uma tentativa de fugir do mundo, como na fase de enegrecimento (NIGREDO), e sim uma batalha para trazer a luz do Espírito Santo á ele, daí a necessidade da retomada dos relacionamentos humanos. O simbolismo que enfatiza esse ''retorno triunfal'' ao mundo é tão profuso quanto assombroso. Dentro do corpo físico do homem existe um corpo de energia que Jacob Boheme compara a um ''óleo inflamável'' , que deve ser incendiado de modo a converter cada minuto da vida numa alegre respiração da alma, exaltada por tudo quanto vê ou toca. A alquimia medieval enfatiza em larga medida essa heróica vitalidade que o trabalho sobre si mesmo deve fazer surgir no iniciado. O alquimista espiritual é um ''herói solar'' que deve transformar o veneno da vida no elixir da longevidade e juventude eterna, transformando as águas torrenciais do desejo materialista em pedra vivificante do espírito. Através do êxito de uma cosmogonia mais elevada ele confere á sexualidade humana a nobreza de um amor que libera o ato sexual de tudo aquilo que não se presta á evolução da consciência, tal como o interesse financeiro, a preocupação com status quo, a observância de convenções sociais, a usura pura e simples ou o ponto de vista da mera satisfação suína de uma necessidade biológica  que faz com que a maioria das pessoas pratiquem o sexo com a mesma gratuidade com que defecam. Um autêntico iniciado busca no tantrismo (a yoga sexual) a força daquilo que Carlos Castaneda chamou de um ''ato sexual forte''. Descemos do táxi em frente a um prédio de aspecto envelhecido na parte alta da rua Santo Antônio. Antes de tocar o interfone, Dayse inclinou-se na minha direção e seus olhos se enrugaram um pouco nos cantos. Beijei-a automaticamente, enquanto o barulho do tráfego da rua entrava como ondas em meus ouvidos. ----- Você ainda não tinha me oferecido um(...) ----, ela disse. ----- Um ''o quê''(?) ----, eu perguntei, não tinha entendido. ----- Beijo, ora(!) ----, ela respondeu e me olhou com desaprovação. Não disse nada por uns segundos, apenas me senti um pouco menos respeitável. ---- Você não me pareceu estar esperando por isso ansiosamente(.) Preferi esperar um pouco(.) ----, ela não me parecia magoada, mas ludicamente divertida com o fato de ter acabado de trocar fluidos bucais com um completo desconhecido da minha estirpe. ---- Não faz mal, agora já está resolvido(.) ----, contemporizou Dayse, assim que o portão do prédio se abriu com um pequeno estrondo metálico. ---- Você tem uns olhos pretos tão bonitos ----, eu disse, e entramos. Era um apartamento de dois quartos apertados, com uma cozinha espremida e um banheiro único no corredor que separava a sala, por onde entramos, dos quartos ao fundo. Na sala, duas garotas loiras dividiam uma mesa de plástico branco onde estavam duas garafas de vodka e algumas latas de energético ao lado de um balde metálico com gelo e três cinzeiros repletos de guimbas de cigarro de filtro vermelho. No sofá, um rapaz branco de toca de lã preta e bermuda florida segurava um controle remoto diante da televisão ligada enquanto um outro, negro e com grossos dreadys rastafaris escorrendo da cabeça até os ombros que mais pareciam um polvo-caranguejeiro acampado em sua cabeça, preparava um baseado da grossura de um cano de pvc. Dayse me apresentou entusiasticamente aos seus amigos e eu tentei devolver o sorriso mais convincente que podia aos nossos simpáticos e exóticos anfitriões. De duas grandes caixas de som de madeira antigas e empoeiradas num canto da sala conectadas á um aparelho de vinil saía um jazz caudaloso que á primeira vista me pareceu ser de John Coltrane. ---- Boa música(...) o que é(?) ----, perguntei, curioso, ao rastafari , que agora parecia estar fazendo a arte final na sua ''teta verde'', como diria William Burroughs. ----Coltrane tocando com Cannoball Aderley (.) esqueci o nome do disco(...) ----, ele disse, sem tirar os olhos do baseado entre seus dedos. ---- Coltrane é meu músico de Jazz favorito(.) quando tinha dezoito anos escrevi um artigo sobre ele para um site de música(.) lembro que começava assim: '' Mesmo quando ainda estava vivo, era indiscutível o consenso de que ele havia sido Grande muito antes até de que fizesse o suficiente para prová-lo, e mesmo de que havia sido UM GRANDE GÊNIO DO JAZZ ainda jovem(...) he he, bons tempos, quando eu ainda comprava vinis(.) -----, as garotas loiras na mesa , com quem Dayse estava conversando animadamente agora, nem sequer ouviram o que eu disse, o Jazz da casa parecia ser um produto exclusivo da mente daquele rasta. Este, em compensação, mesmo sem virar os olhos na minha direção, balançou a cabeça num gesto afirmativo diante do que eu tinha dito. Logo depois, comentou: ----- Começou com o velho aparato baseado no swing dos anos 1930 mesclado ao neo-bopper dos anos 1950 e rapidamente reduziu tudo isso a pó(.) ----, ele falou aquilo de um jeito tão reducionistamente cômico que eu ri, concordando vagamente por pura falta de ânimo para aprofundar a discussão. Fui para perto de Dayse e acabei cedendo á tentação de pedir á ela um cigarro, pensando contente que ali naquele apartamento havia pelo menos um pouco de vida inteligente, em comparação com o Alto dos Passos. ----- Meu músico de Jazz preferido é Thelonious Monk (.) antes de tocar com Monk, Coltrane não era exatamente um simples saxofonista principiante, mas qualquer um que tenha a noção exata da transformção pela qual passou Coltrane tocando com Monk, compreende a profundidade que qualquer músico podia alcançar sob a sua influência(...) foi só depois de tocar com Monk que Coltrane teve a oportunidade de se converter ele mesmo numa influência nova e omnipresente na história do Jazz(.) ----, disse o rastafari, que deixou o baseado sobre o braço do sofá e caminhou até um engradado amarelo de cerveja no chão ao lado da tv cheio de vinis velhos e tirou um LP de Thelonious Monk. Acendeu um cigarro e antes de trocar os discos na vitrola ,disse: ----- A forma de tocar piano de Monk era genialmente singular(...) ele chegava nos espaços mais escondidos do piano, onde quisesse levar a música, ela ia(..) uma iluminação espiritual pianística capaz de enraizar-se em fulminantes carreiras que qualquer pianista clássico desses que tem ''cem dedos'' deveria ouvir com muita atenção(.) Monk disse uma vez numa entrevista: ''Ninguém inspirou minhas idéias.. Procurei-as em mim mesmo..tudo quanto toco é diferente. . melodia, harmonia e estrutura. cada peça é diferente das outras''(.) ---- de fato, aquele rasta parecia o próprio Monk falando, O MONGE LOUCO DO PIANO. Eu me limitei a ouvir tudo quanto ele dizia com atenção, a verdade era que eu não ouvia uma faixa de jazz inteira há pelo menos uns cinco anos, não é o tipo de música que combina com o ritmo da minha vida, a não ser que eu estivesse indo tirar ouro no delta do rio Mississipi, na Louisiana, ao sul dos Estados Unidos. Mas confesso que algumas música de John Coltrane tocam na minha cabeça até hoje, como My Favorite Things e A Love Supreme. Assim que o disco de Monk chegou ao fim, o rapaz branco de toca de lã preta apertou o play no controle remoto do DVD e o título do filme CLUBE DA LUTA apareceu na televisão. Imediatamente eu voltei a pensar no trabalho de rastreamento energético que eu tinha feito nos últimos quatorze dias e que a culminação daquilo tudo no avermelhamento alquímico (RUBEDO) também estava intimamente relacionado á santificação da arte e á autoridade social. O anarquismo ontológico parece ter tido uma importante repercussão no imaginário dos jovens do mundo todo, sobretudo quando a idéia daTAZ (Zona Temporalmente Autônoma) de Hakim Bey foi levada ás telas de cinema com o filme Clube da Luta, estrelado por Brad Pitt e Eduard Norton nos papéis principais. No filme, há um homem submisso ao sistema que não se atreve a se libertar de sua posição condicionada dentro da sociedade. Logo de cara, ele nos diz: ''Eu era uma pessoa estagnada... abria um catálogo de vendas e me perguntava que tipo de jogo de jantar ou automóvel me definia como pessoa''. A TAZ, conceito forjado pelo místico anarquista Hakim Bey, é como uma revolta que não se engancha com o Estado (muito parecida com as realizadas pelos Black-Blocs nas recentes manifestações pelo Brasil afora, que agora terão sítios nos arredores das grandes cidades e poderão desenvolver ainda mais a idéia da TAZ), uma ''operação guerrilheira'' que libera uma área ---- de terra, de tempo ou de imaginação ---- e logo depois se auto-dissolve para não ser esmagada pelo Estado ---- no caso dos Black Blocs, pela polícia. Também a prática principal da alquimia medieval parece ter sido a ''imaginação'', não, obviamente, a ''imaginação'' no sentido ordinário, mas a ''imaginação verdadeira'' que os textos alquímicos opõem cuidadosamente à noção de ''fantasia''. ET VIDE SECUNDUM NATURAM, DE QUA REGENERATUR CORPORA IN VISCERIS TERRAE ET HOC IMAGINARE PER VERAM IMAGINATIONEM ET NON PHANTASTICAM. A ''imaginação verdadeira'' vê os processos energéticos da natureza e seus arquétipos, enquanto capacidade de criação e recriação permamente do mundo (tal como as Zonas Autonomas Temporárias de Hakim Bey, em sua dinâmica do Solve et Coagula anarquista) no sentido de que toda criação e recriação é, em última instância, um produto da IMAGINAÇÃO DE DEUS. É também capacidade de interpretar os relatos bíblicos e mitos greco-romanos como realidades sempre presentes, que levam o UNIVERSO de regresso á DEUS através da mediação de um tempo sagrado. A imaginação da alquimia medieval é uma visão: vê o espaço como um símbolo e o tempo como uma liturgia. De fato, a meta da alquimia medieval não era a simples união com o transcendente , mas o estabelecimento de um contato com ele que unisse o Espírito Santo ao mundo físico para transforma-lo, e isso começava a se dar no corpo do próprio indivíduo, através do sangue e da respiração. Essa poesia do organismo presente na alquimia medieval parece ter se concentrado na meditação sobre os grandes ritmos corporais do homem. Os textos clássicos sugerem o uso metódico do ritmo respiratório. Conforme Galeno e Averroes, que ligavam o ''espírito vital'' á uma substância de natureza psíquica que permeia a atmosfera cósmica e é assimilada pelo homem que se alinha paralelamente ao ritmo dela através do controle da respiração. Esse conceito é tão próximo ao conceito de ''prana'' (alento vital) , da doutrina hindu, que chega a ser ridículo duvidar que os alquimistas medievais conheciam exercícios respiratórios análogos aos da Yoga e, mais precisamente, da Yoga Laya-Tântrica. Por outro lado, a ''alma imaginativa'' é o ''espírito de vida'', dizem adiante os textos clássicos, e ele ''habita no sangue''. A concentração no sangue através do ritmo circulatório e a sensação de calor corporal desempenham um papel crucial na transmutação alquímica. O sangue é a ''lâmpada da vida'', o suporte ou veículo da alma, mercúrio em sua modalidade mais próxima ao azufre, com o qual se une no coração do iniciado para produzir o fogo da iluminação. ----- Não tenho certeza se é haxixe mesmo, ele apenas sugeriu que fosse, por ser bem mais forte que o último que me vendeu(.) ----, o rasta disse, agora ele estava sentado na mesa da sala junto comigo, Dayse e as outras duas garotas e passou aquele troço fumarento para Dayse, do meu lado. Por um instante, eu acreditei que ela recusaria, mas pegou o baseado da mão do rasta e disse: -----Cânhamo da Índia(...) Haxixe Americano(...) fodam-se todas essas diferenças, uns são melhores, outros mais fortes, outros muito caros, mas é tudo fumo do mesmo jeito, não é o tipo de questão que um ser humano lúcido deve ficar colocando sempre na ordem do dia, coloque na ordem do dia algum grande romance de John dos Passos ou Scott Fitzgerald(:) por falar nisto, já leu Seis Contos da Era do Jazz, de Fitzgerald(?) -----, bem, o rasta disse que não, mas eu já tinha lido, mas preferi ficar calado e acender um cigarro. Já era o meu terceiro cigarro da noite depois de quatorze dias sem fumar, ainda tomei mais um gole de vodka com energético, mas eu não estava nem mesmo minimamente propenso a dissipar minha sobriedade participando daquela sauna canábica dentro da sala. Certeza absoluta. Apesar de que sempre que eu fumava, era bom. Mas o verdadeiro rastreamento energético exige uma capacidade de renúncia acima da crítica, e não só as terríveis, mas as pequenas privações também fazem parte deste expediente. Na verdade, eu só continuava ali até áquela hora para ver se Dayse iria ''precisar'' de mim para mais alguma coisa naquela noite, senão teria vazado logo depois que o disco do Thelonious Monk chegou ao fim. Olhei para o relógio: 02:40hs da manhã. ----Vou deixar essa passar(.) -----, eu disse, assim que Dayse me ofereceu o baseado. Em poucos minutos o haxixe tinha transformado aquele apartamento no tipo de lugar onde um rastafari de boas maneiras e alguma cultura jazzística sibila sorrindo acefeladamente para todos a sua volta quando a gente diz que o ópio da Lua da Arábia tem o mesmo cheiro que as moças no fundo das salas dos DCEs das universidades federais. Me dê algum tempo, Jack. Preciso pensar na viagem de amanhã. Olhei para o relógio mais uma vez. Meu estômago queimou um pouco com o último gole de vodka. Acendi outro cigarro. Quatro agora, pensei. Aquilo já não estava indo muito bem, na minha opinião, quando Dayse subitamente se levantou da mesa e caminhou para perto de mim, que estava fumando meu quarto cigarro da noite na janela e pensando em ir embora antes de acender o quinto, e disse: ----- Vou te esperar no quarto da direita(..) -----, e beijou meu pescoço com aquelas duas pupilas pretas e brilhantes como petróleo rodeadas pela vermelhidão leitosa do branco em volta delas. Assim que ela se dirigiu para o quarto, eu coloquei o cigarro aceso na beirada da janela e vasculhei rapidamente o engradado de vinis velhos ao lado da televisão. Rápido, Jack: flash, thunder! Aqui está: A LOVE SUPREME, John Coltrane, simplesmente o meu disco de Jazz favorito, de milhões de outros amantes de Jazz também, é verdade, mas acontece que eu não sou um amante de Jazz, sou um amante de apenas alguns discos de Jazz, e desse em especial. Certa vez li um artigo entitulado ''Cinco maneiras estúpidas de parecer inteligente', e estava lá no meio: declarar publicamente ser um amante de Jazz. He he... Coloquei aquela obra-prima da história da música universal para rodar na vitrola e antes de entrar no quarto onde Dayse estava me esperando passei pelo rasta estatelado ao lado de uma das garotas loiras (a outra garota tinha saído com o rapaz branco de toca preta) e ele sussurrou pra mim: ---- Tank you God(.) Amen(.) ----, frase com que John Coltrane termina seu poema homônimo no encarte de A LOVE SUPREME, que é um disco inteiramente dedicado á Deus.
 
I will do all I can to be worthy of Thee O Lord.
It all has to do with it.
Thank you God.
Peace.
There is no other.
God is. It is so beautiful.
Thank you God. God is all.
Help us to resolve our fears and weakness.
Thank you God.
In You all things are possible.
We know. God made us so.
Keep you eye on God.
God is. He always was. He always will be.
No matter what... it is God.
He is gracious and merciful.
It is most important that I know Thee.
Words, sounds, speech, men, memory, thoughts,
fears and emotions – time – all related...
all made from one... all made in one.
Blessed be His name.
Thought waves – heat waves – all vibrations –
all paths lead to God. Thank you God.
His way... it is so lovely... it’s gracious.
It is merciful. Thank you God.
One thought can produce millions of vibrations
and they all go back to God... everything does.
Thank you God.
Have no fear... believe... Thank you God.
The universe hás many wonders. God is all.
His way... it is so wonderful.
Thoughts – deeds – vibrations, etc.
They all go back to God. He cleanses all.
He is gracious and merciful... Thank you God.
Glory to God. God is so alive.
God is.
God loves.
May I be acceptable in Thy sight.
We are all in His grace.
The fact that we do exist is acknowlodgement
of Thee O Lord.
Thank you God.
God will wash way all our tears...
He always has...
His always will.
Seek His everyday. In all ways seek God everyday.
Let us sing all songs to God.
To whom all praise is due... praise God.
No road is na easy one, but they all
go backto God.
With all we share God.
It is all with God.
It is all with Thee.
Obey the Lord.
Blessed is He.
We are from one thing... the will of God...
Thank you God.
I have seen God – I have seen ungodly –
none can be greater – none can compare to God
Thank you God.
He will remake us... He always has and He
always will.
It is true – blessed be His name - Thank you God.
God breathes through us so completely...
so gently we hardly fell it.. yet.
it is our everything.
Thank you God.
ELATION – ELEGANCE – EXALATION –
All from God.
Thank you God. Amen.


JOHN COLTRANE, 1964





(continua)

KALKI-MAYTREIA

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